REENCARNAÇÃO
SWAMI ABHEDANANDA
PREFÁCIO
I
Este livro contém esclarecedoras práticas sobre a reencarnação, a transmigração, a ressurreição, a evolução, a herança, etc. O grande místico e Santo filósofo Swami Abhedananda delineou vários problemas críticos e lhes deu uma satisfatória solução racional e cientifica. Seu enfoque é extremamente fascinante e lógico e sua linguagem é lúcida. O pensamento e as idéias que ali estão e os impregnam são muito profundos e penetrantes. Abhedananda mantém em todas as suas práticas o ponto de vista vedântico não-dualista e o grande espírito indiano. Disse que os fenômenos visíveis do universo estão ligados pela lei universal de causa e efeito. O efeito é visível e perceptível, enquanto que a causa é invisível e imperceptível. Todo o tosco é resultado de uma causa sutil. Há algo por detrás deste universo múltiplo e gigantesco e este não foi criado do nada. O Swami sustenta o satharjavad de Samkya: Mimansa e Vedanta. Acredita em uma base unificadora (o substratum) para as ambulantes sombras do mundo e que a base do substratum é Brahman, oni-inteligência e oni-benaventurança.
Swami Abhedananda disse que os samskaras (ou impressões sutis e adormecidas) são os fazedores e modeladores do caráter e do destino do homem. O nível subconsciente da mente é o depósito dos samskaras energizados. O homem é um instrumento nas mãos de seus samskaras, mas pode controlá-los criando contra-samskaras, assim como os hábitos são vencidos por hábitos contrários. O homem cria sempre seu futuro, colhendo as conseqüências do presente e durante esse processo está emaranhado no ciclo do nascimento e da morte. Os hindus acreditam na teoria da reencarnação. Sabem que o espírito ou Atman é imperecível, imortal; este toma o corpo como sua vestimenta a fim de trabalhar para a salvação do homem e colher os resultados da ação passada deste no mundo fenomenal. A alma ou jivatman atravessa os graus do progresso gradual e, finalmente, sobe à meta última e alcança a perfeição.
Todas as práticas do Swami refletem o brilho de sua profundidade de conhecimento e erudição. Especialmente a última prática, sobre A Teoria da Transmigração, é tão única como magnificamente esclarecedora. Nela o erudito Swami manifesta suas próprias opiniões originais, assumindo uma audaz posição sobre o firme fundamento dos argumentos lógicos. Aceita a ciência moderna e seu método de buscar a verdade e despreza com rigor as teorias rígidas e materialistas dos científicos modernos, dos agnósticos e dos pragmáticos que preconizam a teoria da herança e do esforço para explicar tudo com ela. Refuta as peculiares opiniões dos cristãos, judeus, maometanos e parsis sobre a teoria da transmigração. Estes e muitos filósofos acreditam que a transmigração ou metempsicose é o passo de uma alma de um corpo a outro, depois da morte. Esta crença acha-se inclusa em Pitágoras, Platão e seus seguidores. Platão, em Fedro, descreveu em linguagem mitológica, como as almas humanas saem dos corpos mortos e tomam outros novos para obter experiências mais novas. Mesmo assim, a idéia platônica da transmigração admite as vidas sucessivas depois da morte. Segundo esta teoria é permitido às almas escolher suas sortes de acordo com a experiência ou inclinação do caráter daquelas, e não são afetadas pelas conseqüências naturais de suas ações boas ou más. O mesmo Platão acreditava que as almas escolhem, geralmente, os corpos de animais inferiores. Mas o critério hindu da transmigração difere disto. A teoria budista do renascimento difere também da dos hindus, porque os budistas não crêem na permanência da entidade da alma, enquanto que os hindus crêem que a alma é permanente, enquanto que o corpo é impermanente. O Swami Abhedananda mostra a diferença entre a teoria hindu ou vedântica da reencarnação e a teoria platônica da transmigração. Disse que, segundo a teoria hindu ou vedântica, a alma ou gérmen de vida, atravessa os estados inferiores e, finalmente, chega ao plano superior humano e, depois de chegar ao plano superior, não retrocede aos corpos animais inferiores. A teoria platônica se opões a isto, porque ensina que as almas humanas penetram em diferentes corpos animais. O Swami menciona que é verdade que, embora nas escrituras hindus haja passagens que aparentemente se refiram a retrogressão da alma humana dentro da natureza animal, contudo não tais passagens não significam necessariamente que as almas estejam obrigadas a tomar corpos animais. Podem ter que viver como animais embora tenham corpos humanos, tal como podemos encontrar entre nós muitas pessoas que parecem gatos, cães e víboras com forma humana e que, no entanto são mais viciosas que os gatos, cães e víboras naturais. Estão colhendo seu próprio Karma e manifestando sua natureza animal, mesmo que fisicamente se assemelhem a seres humanos. o Swami Vivekananda costumava sustentar o critério das escrituras hindus tradicionais, mas o Swami Abhedananda adotou um significado e um critério muito racionais, científicos e muito realistas. Aqui se encontra a diferença entre o Swami Vivekananda e Swami Abhedananda em suas respectivas opiniões. O doutor Radhakrishnan e outros, sustentam o mesmo critério que o Swami Abhedananda. Como o Swami, o doutor Radhakrishnan disse em seu Idealist View of Life (1037, pág. 292): “Ao homem é possível degenerar em um selvagem, mas ainda é um homem. (...) è possível que o renascimento em forma animal seja uma figura de linguagem, equivalente ao renascimento com qualidades animais”. O Swami Abhedananda faz um argumento vigoroso e razoável em apoio a sua opinião de que “no processo evolutivo, já atravessamos o grau inferior dos organismos animais. Agora que os superamos, por que teríamos que voltar a eles?”. No entanto, segundo a opinião do Swami Abhedananda, a reencarnação da alma é o processo da realização do fim último da vida terrena; é um meio para um fim; é uma marcha para a primeira meta humana, que é alcançar a consciência divina.
II
O Swami Abhedananda deu práticas sobre a Reencarnação em muitas ocasiões ante audiências eruditas do Ocidente. O diário Brahmavadin (Tomo III, abril de 1898, nº 14, pág. 567) diz: “Algumas das melhores dissertações, como a que tratou sobre a ‘Reencarnação, por exemplo, foram pronunciadas até três ou quatro vezes, a pedido’. A primeira dissertação do Swami sobre a Reencarnação, foi pronunciada em 13 de fevereiro de 1898, em Nova Iorque, como aparece em seus Leaves from My Diary: ‘Em 13 de fevereiro, hora 15, sobre a Reencarnação (repetida a pedido)’. A segunda vez em que deu uma prática sobre o mesmo tema foi em 13 de março de 1898, domingo, às 15 horas. O tema da conferência foi Evolução e Reencarnação. Assim menciona o Swami em sua obra Leaves from My Diary: ‘Em 13 de março, domingo, às 15 horas, deu uma prática sobre Evolução e Reencarnação (que foi publicada depois) ante uma audiência ao redor de 200 pessoas. A dissertação foi muito apreciada por todos os presentes na sala”.
O Swami menciona novamente em sua obra Leaves from My Diary: “Em 5 de fevereiro de 1889, domingo, às 15 horas, de uma conferência sobre Que é científico: a Ressurreição ou a Reencarnação? A audiência totalizou 100 pessoas”. Em 15 de março de 1899 pronunciou novamente uma dissertação sobre Evolução e Reencarnação, a pedido. O Swami escreve assim em Leaves from My Diary: “Em 15 de março, às 20 horas, choveu copiosamente o dia todo. Dei uma dissertação pública sobre Evolução e Reencarnação (repetida a pedido) durante uma hora e meia na Sala de Reuniões. O professor Jackson, da Universidade de Columbia, assistiu a dissertação e se interessou profundamente por esse tema. A audiência totalizou umas 100 pessoas”. ‘Em 28 de março (de 1889)’, escreve novamente o Swami, “choveu muito o dia todo. Pela tarde fui ver a senhora Coulston na casa do senhor Leggett. O senhor Vanderbilt me trouxe as provas de Reencarnação. Havia se oferecido para imprimir 2000 exemplares de seu pecúlio e os entregou a mim. Este foi o começo de minhas obras impressas. O produto da venda de Reencarnação, que a princípio continha três dissertações (1. Que é a Reencarnação?; 2. Que é Cientifico: A Ressurreição ou a Reencarnação; 3. A Evolução e a Reencarnação) se manteve aparte, sendo utilizado na impressão de outras práticas e folhetos. O senhor Vanderbilt me disse que essas dissertações eram tão boas e convincentes que estava desejoso de que todo mundo as lesse. Ele merece meu cordial agradecimento por publicar minhas dissertações sobre Reencarnação sob os auspícios da Sociedade Vedanta de Nova Iorque”.
“Uma dissertação sobre a Reencarnação foi pronunciada novamente pelo Swami Abhedananda em 17 de abril de 1899, em Day Building, Casa 19; ali a audiência superou a quantidade de 130 pessoas. O Worcester Spy (Nova Iorque), de 18 de abril de 1899, disse: “O Swami Abhedananda dissertou outra vez a noite ante uma grande audiência em L’arien Hall, 206 Main Street. O tópico da noite foi: A Força Vital e a Reencarnação”.
Vemos assim que a primeira edição do livro Reencarnação teve lugar em 28 de março de 1899. A segunda edição foi ampliada, com a agregação de outras novas dissertações. Este tomo é a sétima edição nova. Todas as anteriores edições foram calorosamente recebidas pelos leitores e acreditamos que esta será também apreciada pelos amantes do conhecimento.
SWAMI PRAJNANANANDA
RAMAKRISHNA VEDANTA MATH,
19B,
CALCUTA,
15 de julho de 1957.
Capítulo I
A REENCARNAÇÃO
Os fenômenos visíveis do universo estão ligados pela lei universal de
causa e efeito. O efeito é visível ou perceptível, enquanto que a causa é
invisível ou imperceptível. A caída de uma maçã de uma árvore é o efeito de
certa força invisível chamada gravidade. Mesmo que a força não possa ser
percebida pelos sentidos, sua expressão é visível. Todos os fenômenos
perceptíveis são somente as diversas expressões das diferentes forças que atuam
como agentes invisíveis sobre as formas sutis e imperceptíveis da matéria.
Estes agentes ou forças invisíveis, juntos com as partículas imperceptíveis da
matéria, formam os estados sutis do universo fenomenal. Quando uma força sutil
se objetiva, aparece como objeto grosseiro. Portanto podemos dizer que cada
forma grosseira é uma expressão de alguma a força sutil que atua sobre as
partículas sutis da matéria. As diminutas partículas de hidrogênio e oxigênio,
quando se combinam mediante uma força química, aparecem na forma grosseira da
água. A água jamais pode separar-se do hidrogênio e do oxigênio, que são suas
partes sutis componentes. Sua existência depende de suas partes componentes, ou
em outras palavras, se sua forma sutil. Se o estado sutil muda, também mudará a
manifestação tosca. A peculiaridade da forma tosca de uma planta depende da
natureza peculiar de sua forma sutil: a semente. A natureza peculiar das formas
grosseiras do reino animal depende das formas sutis que se manifestam variadamente em cada uma das etapas intermediárias entre a
unidade microscópica da matéria viva e o homem mais elevado. O tosco corpo
humano se relaciona estreitamente com seu corpo sutil. Não só isto, senão que
cada movimento ou mudança na forma física é causado pela atividade ou mudança
do corpo sutil. Se o corpo sutil é afetado ou modificado um pouco, o corpo grosseiro
também será afetado de maneira similar. Como o corpo material é a expressão do
corpo sutil,seu nascimento, desenvolvimento,
decadência e morte dependem das mudanças do corpo sutil. Enquanto o corpo sutil
permanecer, continuará expressando-se na forma grosseira correspondente.
Vamos entender claramente o que queremos
dizer com um corpo sutil. Este não é senão um gérmen diminutivo da substância
viva. Contém as partículas invisíveis da matéria que se mantêm juntas mediante
a força vital e também possui mente ou força pensante em um estado potencial,
tal como a semente de uma planta contém em si a força vital e o poder de
crescimento. Segundo a Vedanta, o corpo sutil consiste em Antabharanam, isto é, o órgão
interno ou a substância mental com suas várias modificações: mente, intelecto,
egoísmo, memória, os cinco instrumentos da percepção: as faculdades da visão,
audição, olfato, gosto e tato; os cinco instrumentos da ação, como as
faculdades de pegar, mover-se, falar, evacuar e gerar e os cinco Pranas. Prana é uma palavra sânscrita que
significa energia vital ou poder sustentador da vida que está em nós. Embora o Prana seja um só, leva cinco nomes
diferentes por conta das cinco funções diferentes que cumpre. Esta palavra Prana, inclui as cinco manifestações da
força vital: Primeira: o poder de mover os pulmões e introduzir no organismo,
de fora, o ar atmosférico. Isto também de chama Prana. Segunda: o poder de expelir do organismo as coisas que não
são necessárias. Em sânscrito se chama Apana. Terceira: toma o nome de Samana, como realizar as funções
digestivas e transportar o extrato dos alimentos a todas as partes do corpo. Chama-se Udana quando se faz baixar o alimento da boca através
do canal alimentício até o estômago e também quando há a faculdade de falar. O
quarto poder de Prana é o que
trabalha em cada parte do sistema nervoso da cabeça aos pés, através de cada
canal, que conserva a forma do corpo, o preserva da putrefação e dá saúde e
vida a cada célula do organismo. Estas são as diversas manifestações da força
vital ou Prana. Estes poderes sutis, juntos com os elementos não-compostos do
corpo grosseiro, ou as partículas etéreas da matéria sutil e também com as
potencialidades de todas as impressões, idéias e tendências que cada individuo reúne em uma só vida, constituem seu corpo sutil.
Como resultante de todas as diferentes ações da mente e do corpo que um
indivíduo cumpre em sua vida atual, assim serão as tendências e desejos em sua
vida futura; nada se perderá.
Cada ação do corpo ou da mente que efetuamos,
cada pensamento que pensamos, se sutiliza e se
armazena em forma de um Samskara ou
impressão em nossas mentes. Permanece latente durante um tempo e logo se eleva
em forma de onda mental e produz novos desejos. Estes desejos se chamam, na
Vedanta, de Vasanas.
Os Vasanas, ou fortes desejos, são os produtores
de novos corpos. Se o Vasana ou desejo forte de gozos e objetos mundanos permanece em alguém, inclusive
depois de centenas de nascimentos, essa pessoa nascerá novamente. Nada pode
impedir o curso dos fortes
desejos. Os desejos deverão ser satisfeitos cedo ou tarde.
Cada ação voluntária ou involuntária do
corpo, do sentido ou da mente deverá corresponder às impressões adormecidas,
armazenadas no corpo sutil. Embora o crescimento, o processo de nutrição e
todas as mudanças do corpo físico grosseiro tenham lugar segundo as causas
necessariamente atuantes, no entanto a série total de ações e conseqüentemente
cada ato individual, a condição do corpo que a realiza, ou
melhor dizendo, o processo total em e através do qual o corpo existe,
não são senão as expressões externas das impressões latentes armazenadas no
corpo sutil. Sobre estas repousa a
perfeita adaptabilidade do corpo humano ou animal, a natureza animal ou não humana das próprias impressões. Os órgãos dos
sentidos deverão, portanto, corresponder completamente aos desejos principais
que estejam mais fortes e mais prontos a se manifestar. São a expressões
visíveis destes desejos. Se não há fome ou desejo de comer, os dentes, a
garganta e os intestinos não serão úteis. Se não há desejo de pegar nem de se
mover, as mãos e as pernas serão inúteis. De modo semelhante, pode
demonstrar-seque o desejo de ver, ouvir, etc., produz os olhos, os ouvidos,
etc. Se não tenho desejo de usar minhas mãos e se não as uso para nada, dentro
de uns poucos meses decairá e morrerá. Na Índia há alguns fanáticos religiosos
que mantêm suas mãos no alto e não as usam para nada; em uns poucos meses, seus
braços de debilitam, endurecem e morrem. Uma pessoa que fica deitada durante
seis meses, perde a faculdade de caminhar. Há muitos exemplos desta espécie que
demonstram os efeitos prejudiciais de não usar nossos membros e órgãos.
Assim como a forma humana corresponde
geralmente à vontade humana, de igual modo, geralmente, a estrutura individual
corporal corresponde ao caráter, aos desejos, à vontade e ao pensamento do
indivíduo. Portanto a natureza exterior é tão somente a expressão da natureza
interior. Esta natureza interior de cada indivíduo é a que reencarna ou se
expressa sucessivamente em várias formas, uma depois da outra. Quando um homem
morre, o ego individual ou Jiva (como
é chamado em sânscrito), que significa o gérmen da vida ou a alma viva do
homem, não é destruído, mas continua existindo em uma forma invisível. Subsiste
como um fio permanente que mantém unidas as vidas separadas, mediante a lei de
causa e efeito. O corpo sutil se
assemelha a uma borbulha de água que brotou no passado sem começo do oceano
eterno da Realidade e contém o reflexo da imutável luz da Inteligência. Assim
como uma borbulha de água permanece, às vezes, em um invisível estado vaporoso
na nuvem, logo na chuva, na neve ou o gelo e logo como vapor ou no lodo, mas
nunca é destruída, de igual modo o corpo sutil
permanece, às vezes, imanifestado e se expressa, às vezes, em forma toscas de
seres animais ou humanos, segundo os desejos e tendências que estejam prestes a
se manifestar. Pode ir ao céu, isto é, a algum outro planeta, ou pode nascer
novamente nesta terra. Depende da natureza e força da tendência da própria
duração vital e da própria inclinação da mente. Esta idéia está claramente
expressada na Vedanta. “O pensamento, a vontade ou o
desejo que são extremamente fortes durante a vida, predominará no momento da
morte e modelará a natureza interior da pessoa moribunda. A natureza, moldada
novamente, se expressará de uma forma nova” (Bhagavad Gita). O pensamento, a vontade ou o desejo que moldam novamente a natureza
interior, têm o poder de escolher ou atrair as condições ou ambientes que os
ajudem em sua vida de manifestação. Este processo corresponde, em alguns
aspectos, à lei da “seleção natural”.
Podemos entender melhor esse processo
estudando como as sementes de diferentes árvores selecionam, de meios ambientes
comuns, diferentes materiais, absorvem e assimilam diferentes quantidades de
elementos. Suponham que, em um lugar, se plantem duas sementes, uma de um
carvalho e outra de uma castanheira. Em ambas as sementes, o poder de
crescimento é a da mesma natureza. Os meios ambientes, a terra, a água, o calor
e a luz são os mesmos. Mas em cada uma das sementes há alguma peculiaridade e
absorverão dos materiais comuns, quantidades diferentes de elementos e outras
propriedades que estejam aptas a ajudar o crescimento da natureza e formas
peculiares do fruto, da flor, das folhas de cada árvore. Suponham que a
castanha seja uma castanha da Índia. Se, sob diferentes condições, a natureza
peculiar da castanha da Índia se transformar em uma castanha doce, então, junto
com as mudanças na semente, também mudará toda a natureza da árvore, das
folhas, dos frutos. Não atrairá, absorverá, nem assimilará mais aquelas
substâncias e qualidades do ambiente ao redor, como fazia antes, quando era uma
castanha da Índia. De igual modo através da lei da “seleção natural”, o corpo
pensante novamente modelado, correspondente à pessoa moribunda, escolherá e
atrairá as partes dos ambientes comuns que sejam úteis para sua apropriada
expressão ou manifestação. Os pais são tão somente as partes principais do
ambiente do indivíduo se que reencarnou. A natureza interior novamente modelada
ou corpo sutil novamente modelado do indivíduo, mediante a lei da “seleção
natural”, escolherá involuntariamente, ou será inconscientemente atraído, por
assim dizer, para seus apropriados pais e deles nascerá. Como, por exemplo: se
tenho um forte desejo de me converter em um artista e se depois de lutar a vida
toda não consigo ser o maior, depois da morte do corpo nascerei de pais e em um
ambiente que me ajudem a me converter no melhor artista.
Todo o processo é expresso na filosofia
oriental mediante a doutrina da Reencarnação da alma individual. Embora esta
doutrina seja comumente desprezada no Ocidente, é aceita sem reservas pela
vasta maioria da humanidade da atualidade, como ocorreu em séculos passados. A
explicação científica desta teoria não é encontrada em nenhuma parte, salvo os
escritos hindus; no entanto sabemos que, desde tempos antiqüíssimos,
acreditavam nela os filósofos, os sábios e profetas de diferentes países. Disse
Heródoto: “Os egípcios propuseram a teoria de que a alma humana é imperecível e
que quando morre o corpo de alguém, entra em alguma outra criatura que esteja
pronta para recebê-la”. Pitágoras e seus discípulos difundiram isto pela Grécia
e Itália. Pitágoras disse: “Tudo tem alma; tudo é alma que vaga no mundo
orgânico e que obedece a uma vontade ou lei eterna”.
No Ovídio de Dryden lemos:
“A morte não tem poder de matar a alma imperecível
Que, quando seu corpo atual volta à argila
Busca um novo lar e com poder que não diminui
Inspira outro corpo com vida e luz”.
Esta era a nota chave da filosofia de
Platão. Platão disse: “A alma é mais
velha que o corpo. As almas estão nascendo continuamente, uma e outra vez,
nessa vida”. A idéia da Reencarnação foi difundida vastamente na Grécia e
Itália por Pitágoras, Empédocles, Platão, Virgílio e Proclo.
Disse Plotino: “A alma que abandona o corpo se converte no poder que mais
desenvolveu. Voemos, então, daqui de baixo e elevemo-nos ao mundo intelectual,
para que não caiamos em uma vida puramente sensível, nos consentindo em seguir
imagens sensíveis...”. este foi o princípio fundamental da religião dos magos
persas. Alexandre Magno aceitou esta idéia assim que se colocou em contato com
os filósofos hindus. Julio César descobriu que os gauleses tinham algumas
idéias concernentes à pré-existência da alma humana. Os druidas da antiga Gália
acreditavam que as almas dos homens transmigravam naqueles corpos e a cujos
hábitos e caracteres mais se pareciam. Os celtas e bretões ficaram
impressionados por esta idéia. Era o tema favorito dos filósofos árabes e de
muitos sufis maometanos. Os judeus a adotaram depois da catividade babilônica. Filão de Alexandria, que foi contemporâneo de Cristo, pregou entre
os hebreus a idéia platônica da pré-existência e do renascimento das almas
humanas. Disse Filão: “A companhia das almas desencarnadas é distribuída em
várias ordens. A lei de algumas delas é entrar em corpos mortais e, depois de
certos períodos prescritos, liberar-se novamente”. João Batista era, segundo os
judeus, um segundo Elias; muitos acreditavam que Jesus era a re-aparição de
algum outro profeta. (Ver Mateus 16:14 e também
17:12). Salomão disse, em seu Livro da Sabedoria: “Eu era um menino de bem
natural e uma boa alma veio a mim, ou melhor, porque eu era bom, entrei em um
corpo não-contaminado”.
O Talmud e a Cabala ensinam o mesmo. No
Talmud se diz que o filho de Abel entrou no corpo de Seth e depois em Moisés. Junto com a difusão da Cabala, esta doutrina (que era
conhecida como Transmigração e Metempsicose) “começou a encontrar raízes no
judaísmo e depois ganhou crentes inclusive entre
homens pouco inclinados ao misticismo. Judá Ben Asher (Asheri), por exemplo, ao discutir esta doutrina em
uma carta a seu pai, se empenhava em situá-la sobre uma base filosófica”.
(Enciclopédia Judia, Tomo XII, pág. 232). Também
lemos: “Os cabalistas adotaram fervorosamente a doutrina por conta do vasto
campo que oferecia às especulações místicas. Ademais, era quase uma prova
necessária de seu sistema psicológico. A condição absoluta da alma é, segundo
eles, seu retorno, para desenvolver todas aquelas perfeições, cujos germens estão
eternamente implantados nela, à Fonte Infinita da qual emanou. Outro término de
vida deverá, portanto, ser concedido àquelas almas que não satisfizeram seu
destino aqui em baixo e que não se purificaram suficientemente para o estado de
união com a Causa Primordial. Se a alma, em sua primeira entrada em um corpo
humano e estada na terra não alcança essa experiência para a qual desceu dos
céus e se contamina com o que a corrompe, deverá re-habitar um corpo até que
possa subir em estado purificado através de repetidas provas”. Esta é a teoria
de Zohar, que disse: “Todas as almas estão sujeitas à
transmigração e os homens não conhecem os caminhos do Santo, bendito seja Ele!
Não sabem que são levados ante o tribunal antes que entrem neste mundo e depois
que o abandonam; são ignorantes das muitas transmigrações e provas secretas que
terão de suportar e da quantidade de almas e espíritos que entram neste mundo e
que não retornam ao lar do Rei Celestial. Os homens não sabem como as almas
giram como uma pedra atirada por um estilingue. Mas o tempo em que estes
mistérios serão revelados está se aproximando”. (Zohar,
II, 99b).
Igual a muitos Pais da Igreja, os cabalistas
usavam como seu principal argumento em favor da doutrina da metempsicose, a
justiça de Deus. Mas para a crença na metempsicose, segundo sustentavam, a
pergunta de por que Deus permite que os maus levem uma vida feliz, enquanto
muitos retos estão em aflição, seria irrespondível. Então também o afligir
sofrimento às crianças seria um ato de pecado cometido pela alma em um estado
anterior. Isaac Abravanel vê no mandamento do levirato uma prova da doutrina da metempsicose, para o qual
dá as seguintes razoes: (1) Deus, em Sua misericórdia, quis que a alma
recebesse outra prova, pois tendo cedido ao temperamento sanguinário do corpo,
tivesse cometido um pecado capital como assassinato, adultério, etc.; (2) tão somente
se trata de que, quando o homem morre jovem, receba uma oportunidade para que
sua alma execute, em outro corpo, as boas ações que não teve tempo de realizar
no primeiro corpo; (3) a alma dos maus às vezes ingressa em outro corpo a fim
de receber seu merecido castigo aqui em baixo, em vez de em outro mundo, onde
este castigo seria muito mais severo (Comentário sobre o Deuteronômio, XXV, 5).
O cristianismo não está extenso desta idéia.
Orígenes e outros Pais da Igreja acreditavam nela. Orígenes disse: “Pois Deus,
dispondo justamente de suas criaturas segundo os merecimentos destas, uniu as
diversas mentes em um só mundo congruente que, por assim dizer, adornara sua
mansão (na qual só deverá ter vasos de ouro e prata, senão também madeira e
argila e alguns para honra e outros para desonra) com estes diversos vasos,
mentes ou almas. A estas causas o mundo deve sua diversidade, enquanto a Divina
Providencia dispõe de cada um segundo sua tendência, mente e disposição”.
Também disse: “Penso que a questão é como acontece que a mente humana é
influída ora pelo bem, ora pelo mal. Suspeito que as causas disto são mais
antigas que este nascimento corpóreo”. A idéia da Reencarnação se difundiu tão
rapidamente entre os cristãos primitivos, que Justiniano se
viu obrigado a suprimi-la, ditando uma lei no Concílio de
Constantinopla, em 538 d.C. A lei era esta: “Quem quer que sustente a
apresentação mística da preexistência da alma e a conseqüente prodigiosa
opinião de seu retorno, seja Anátema”. Os gnósticos e maniqueus propagaram o dogma da Reencarnação entre as seitas medievais, como as dos bogomiles e paulicianos. Alguns
seguidores desta denominada crença errônea foram cruelmente perseguidos em 385
d.C.
No século XVII alguns platônicos de
Cambridge, como o doutor Henry More e outros, aceitaram a idéia do
renascimento. A maioria dos filósofos alemães da Idade Media e de tempos
recentes preconizaram e sustentaram esta doutrina. Pode se dar muitas citações dos escritos dos grandes pensadores, como Kant, Scoto, Schelling, Fichte, Leibnitz, Schopenhauer, Giordano Bruno, Goethe, Lessing, Herder e muitíssimos outros. O grande cético Hume, em seu ensaio póstumo sobre “A imortalidade da alma”,
disse: “A metempsicose é, portanto, o único sistema deste gênero ao qual a
filosofia pode dar ouvidos”. Cientistas como Flammarion e Huxley sustentaram esta doutrina da
Reencarnação. O professor Huxley disse: “Ninguém, salvo os pensadores apressados,
a desprezaram sobre a base de um absurdo inerente. Como a doutrina da evolução,
a da transmigração tem suas raízes no mundo da realidade”. (Evolução e Ética, pág. 61).
Alguns líderes teológicos a pregaram. O
eminente teólogo alemão Julius Muller sustenta esta teoria em sua obra sobre A Doutrina Cristã do Pecado. Teólogos
proeminentes como o doutor Dorner, Ernesti, Ruckert, Edwar Beecher, Henry Ward Beecher, Phillips Brooks,
pregaram muitas vezes a respeito da questão da preexistência e do renascimento
e o renascimento da alma individual. Swedenborg e
Emerson a sustentaram. Emerson disse, em seu ensaio sobre a Experiência:
“Despertamos e nos encontramos em uma escada. Há escadas debaixo de nós que nos
parece ter subido; há escadas acima de nós, muitas, que sobem e se perdem de
vista”.
Quase todos os poetas, antigos e modernos, a professam. William Wordsworth disse em Intimations of Inmortality:
“A alma que surge conosco, a estrela de nossa vida,
Teve em algum outro lado seu ocaso,
E vem de longe”.
Tennyson escreve nas Two Voices:
“Ou, se através de vidas inferiores vem…
Embora toda experiência no passado se tornou,
Consolide-se na mente e no corpo...
Para que possa eu esquecer minha mais frágil sorte;
Pois não nos esquecemos de nosso primeiro ano?
As obsessões da memória repetem como
um eco: não”.
Walt Whitman disse em Folhas de Erva:
“Enquanto a ti, Vida,
reconheço que és os restos de muitas mortes,
Sem dúvida, eu mesmo morri dez mil
vezes antes”.
Passagens similares podem ser citadas de
quase todos os poetas de diferentes países. Até entre as tribos aborígenes da
África, Ásia, América do Norte e do Sul, se encontrarão vestígios desta crença
no renascimento das almas. Quase três quartas partes da população da Ásia
acreditam na doutrina da Reencarnação e através dela encontram uma explicação
satisfatória do problema da vida. Não há religião que negue a continuidade da
alma individual depois da morte.
Quem não crê na Reencarnação, explica o mundo
de desigualdades e diversidades mediante a teoria do nascimento único, ou
mediante a teoria da transmigração hereditária. No entanto, nenhuma destas
teorias é suficiente para explicar as dificuldades que encontramos em nossa
vida cotidiana. Quem acredita na teoria do nascimento único, a que chegamos
aqui pela primeira e última vez, não entende que a finalidade da vida humana é
a aquisição da sabedoria e da experiência; tampouco pode explicar por que as
criaturas que morrem jovens ingressam na existência e falece sem ter a
oportunidade de aprender algo, nem que finalidade se satisfaz com sua chegada
assim por uns poucos dias, permanecendo em uma cabal ignorância e falecimento
logo sem ganhar nada mais. O dogma
cristão, baseado na teoria do nascimento único, nos diz que a criança que morre
logo depois de nascer, tem a segurança de sua salvação e desfrutará de vida
eterna e felicidade sempiterna nos céus. Os cristãos que crêem realmente neste
dogma, devem rezar a seu Pai celestial pela morte de seus filhos imediatamente
depois que estes nascem e devem agradecer ao Pai misericordioso quando a tumba
se fecha sobre suas pequenas formas. Assim, a teoria do nascimento único da
teologia cristã não elimina dificuldade alguma.
Duas grandes religiões, o judaísmo com seus
dois rebentos (o cristianismo e o maometanismo) e o
zoroastrismo sustentam, todavia, a teoria do nascimento único. Seus adeptos,
fechando os olhos ante o absurdo e irracionalidade de tal teoria, crêem que as
almas humanas se criam do nada no momento de nascer seus corpos e que continuam existindo, por toda a eternidade, para sofrer ou
gozar devido às ações realizadas durante o breve período de sua existência
terrena. Aqui surge a pergunta: por que há de se responsabilizar um homem, por
toda a eternidade, das obras que se viu forçado ou
predestinado a realizar pela vontade do senhor do universo? A teoria da predestinação e a graça, ao invés de explicar a
dificuldade, converte Deus em parcial e injusto. Se o pessoal Deus
onipotente criou as almas humanas do nada, não poderia fazer com que todas as
almas humanas fossem igualmente boas e felizes? Por que Ele faz com que um desfrute
das bênçãos da vida e outro sofra todas as aflições
por toda a eternidade? Por que um nasce com boas tendências e outro com más?
Por que um homem é virtuoso por toda sua vida e outro bestial? Se Deus,
partindo de Sua própria vontade, fez todas essas desigualdades ou, em outras
palavras, se Deus criou um homem para que sofra e outro para que desfrute,
então que parcial e injusto deve ser Ele! Como podemos adorá-lo, como podemos
chamar-lhe de justo e misericordioso?
Algumas pessoas tratam de salvar Deus desta
acusação de parcialidade e injustiça dizendo que todas as coisas boas deste
universo são obra de Seus e que todas as más, obra do demônio ou Satã. Deus
criou tudo o que é bem, mas foi Satã quem introduziu o mal neste mundo e o
tornou todo mau. Agora vejamos até onde tal afirmação é logicamente correta. O
bem e o mal são dois termos relativos; a existência de um depende do outro. O
bem não pode existir sem o mal e o mal não pode existir sem estar relacionado
com o bem. Quando Deus criou o que chamamos bem, deve ter criado o mal ao mesmo
tempo; de outro modo, não poderia criar somente o bem. Se o criador do mal,
dando-lhe o nome que se queira, introduziu o mal neste mundo, deve tê-lo criado
simultaneamente com Deus; de outro modo, teria sido impossível a Deus criar o
bem, que só pode existir em relação com o mal. Como tais, terão que admitir que
os Criadores do bem e do mal se sentaram juntos, ao mesmo tempo, para criar
este mundo, que é uma mistura de bem e mal. Por conseqüência, ambos são
igualmente poderosos e limitados um pelo outro. Portanto nenhum deles tem
poderes infinitos e onipotentes. De modo que não podemos dizer que Deus
Todo-poderoso do universo criou somente o bem e não o mal.
Outro argumento que os vedantistas adiantam
em apoio da teoria da Reencarnação é que: “No universo nada se destrói”. A
destruição no sentido da aniquilação de uma coisa é desconhecida para os
filósofos vedânticos, tal como é desconhecida para os cientistas modernos. Eles
dizem: “a não-existência jamais pode converter-se em existência e a existência
jamais pode converter-se em não-existência”; ou, em outras palavras, que o que
não existiu não poderá existir jamais e o inverso, que o que existe em alguma
forma jamais poderá converter-se em não-existente. Esta é a lei da natureza.
Como tal, as impressões ou idéias que agora teremos, junto com os poderes que
possuímos, não serão destruídos senão que permanecerão conosco em uma forma ou
outra. Nossos corpos podem mudar, mas os poderes, o Karma, os Samskaras ou
impressões e os materiais que manufaturaram nossos corpos, deverão permanecer
em nós em uma forma imanifestada. Jamais serão
destruídos. Além do mais, a ciência nos diz que o que permanece em um estado imanifestado
ou potencial deverá, em um tempo ou outro, se manifestar em uma forma cinética
ou real. Portanto, obteremos outros corpos, mais cedo ou mais tarde. Por esta
razão se diz no Bhagavad Gita: “O nascimento seguirá a morte e a morte seguirá
o nascimento”. Cada gérmen de vida deverá atravessar tal série continuamente
recorrente de nascimentos e mortes. Outra consideração é que o princípio, o fim
e a continuação são conceitos da mente humana; seu significado depende
inteiramente de nosso conceito de tempo. Mas todos sabemos que o tempo não tem existência absoluta. É meramente uma forma de nosso
conhecimento de nossa própria existência, em relação com a da natureza. O
conceito de tempo se desvanece com o sono da morte, tal como ocorre todas as
noites quando dormimos profundamente. A morte se parece com o estado de nosso
sono profundo. A alma desperta do sono da morte precisamente da mesma maneira
que os insetos despertam na primavera, depois de dormir um longo e rigoroso
sono invernal, como uma crisálida no leito de um casulo se estende por si mesma
no outono. A natureza nos ensina a grande lição do renascimento e a semelhança
entre o sono e a morte, mediante o rejuvenescimento das crisálidas na
primavera. Depois da morte, a alma desperta e coloca ou manufatura o traje de
um novo corpo, de igual modo com que colocamos roupas novas depois de tirar as
velhas e gastas. Assim a alma continua manifestando-se uma e outra vez no plano
humano ou qualquer outro plano da existência, estando atada pela Lei do Karma,
ou de Causa e Efeito.
“A morte,assim chamada, não é
senão mais velha matéria vestida
Em alguma nova forma. E com uma vestimenta variada,
Embora atirada de uma morada a outra,
A alma é sempre a mesma, só se perde a figura.
Poema sobre
Pitágoras, do Ovídio de Dryen.
Aqui se pode perguntar: se existimos antes de
nosso nascimento, por que não lembramos? Esta é uma das mais vigorosas objeções
contra a crença na pré-existência. Algumas pessoas negam a existência da alma
no passado simplesmente porque não podem lembrar dos acontecimentos de seu passado. Outras, por sua vez, que têm a memória como
norma da existência, dizem: se nossa memória do presente cessa de existir no
momento da morte, com ela também cessaremos de existir;não
podemos ser imortais; porque eles sustentam que a memória é a norma da vida e
se não lembramos, então não somos os mesmos seres.
A Vedanta responde a estas perguntas dizendo
que é possível que lembremos de nossas vidas passadas.
Quem leu o Raja Yoga recordará que no aforismo 18º, do
capítulo terceiro, se diz: “Mediante a percepção dos Samskaras, alguém pode
adquirir o conhecimento das vidas passadas”. Aqui os Samskaras significam as
impressões da existência passada, que estão adormecidas em nosso eu subliminar
e jamais se perdem. A memória é tão somente o despertar e o surgimento das
impressões latentes por cima do umbral da consciência. Um Raja Yogui, mediante
poderosa concentração sobre estas impressões adormecidas da mente
subconsciente, pode lembrar de todos os acontecimentos
de suas vidas passadas. Na Índia, houve muitos casos de Yoguis que podiam
conhecer não somente suas próprias vidas passadas, mas também, corretamente, as
dos demais. Se diz que Buda recordava quinhentos de
seus nascimentos anteriores.
Nosso eu subliminar, ou a mente
subconsciente, é o armazém de todas as impressões que reunimos através de
nossas experiências durante nossa vida. Estão armazenadas, classificadas no Chitta, como é chamada na Vedanta. “Chitta”
significa a mesma mente subconsciente ou eu subliminar que é o armazém de todas
as impressões e experiências. E estas impressões permanecem latentes até que
surjam condições favoráveis e as coloquem no plano da consciência. Aqui temos
uma ilustração: em uma casa às escuras se projetam, sobre uma tela, imagens
mediante uma lanterna. O quarto está absolutamente escuro. Estamos olhando as
imagens. Suponhamos que abrimos uma janela e permitimos que os raios do sol do
meio-dia caiam sobre a tela. Poderíamos ver essas
imagens? Não. Por que? Porque a torrente luminosa,
mais potente, se imporá sobre a luz da lanterna e as imagens. Mas embora estas
sejam invisíveis para nossos olhos, não podemos negar sua existência na tela.
De maneira similar, as imagens dos acontecimentos de nossas vidas anteriores
sobre a tela do eu subliminar podem ser agora invisíveis para nós, mas ali
existem. Por que são invisíveis agora para nós? Porque a mais poderosa luz da
consciência sensória se impôs sobre ela. Se fecharmos as janelas e portas de
nossos sentidos ao contato exterior e escurecermos a câmara interior de nosso eu,
então, concentrando a luz da consciência e os raios mentais, poderemos conhecer
e lembrar de nossas vidas passadas e todos os
acontecimentos e experiências delas. Portanto, quem desejar desenvolver sua
memória e recordar seu passado, deverá praticar a Raja Yoga e aprender o método
de adquirir o poder de concentração fechando as portas e janelas de seus
sentidos. E esse poder de concentração deverá ser ajudado com o poder do
autocontrole, isto é, mediante o controle das portas e janelas de nossos sentidos.
Estas impressões adormecidas, sendo que as
recordemos ou não, são os fatores principais na modelagem de nossos caracteres
individuais com os quais nascemos e são as causas das desigualdades e
diversidades que encontramos ao redor de nós. Quando estudamos os caracteres e poderes dos gênios e prodígios, não podemos negar a
pré-existência da alma. Enquanto a alma domina algo em uma vida anterior, o
manifesta na atualidade. A recordação de acontecimentos particulares não é tão
importante. Se possuímos a sabedoria e o conhecimento
que reunimos em nossas vidas anteriores, então importa muito pouco se
recordamos ou não dos acontecimentos particulares, ou das lutas que
atravessamos a fim de ganhar esse conhecimento. Aquelas coisas particulares
podem ser que não cheguem até nós, em nossa memória, mas não perdemos a
sabedoria. Agora, estudem suas vidas atuais e verão que, nesta vida, ganharam
alguma experiência. Os acontecimentos particulares e as lutas que atravessaram
saem da memória de vocês, mas a experiência modelou o caráter e o conhecimento
que, ganho através dessa experiência, os modelou de maneira diferente. Não
terão que atravessar novamente esses diferentes acontecimentos para lembrar
como adquiriram essa experiência. Não é necessário, a
sabedoria é inteiramente suficiente.
Além do mais, encontramos entre nós pessoas
que nasceram com alguns poderes prodigiosos. Tomem, por exemplo, o poder do
autocontrole. Alguém nasce com o poder de autocontrole altamente desenvolvido,
mas esse autocontrole não poderá ser adquirido depois de anos de árduas lutas.
Por que existe esta diferença? Bhagavan Sri Ramakrishna nasceu com a
consciência divina e entrava no supremo estado de Samadhi quando tinha quatro
anos de idade; mas este estado é dificílimo de adquirir para os outros Yoguis.
Teve um Yogui que correu para ver Ramakrishna. Era um ancião e possuía poderes
prodigiosos e lhe disse: “Lutei durante quarenta anos para adquirir esse estado
que no senhor é natural”. Há muitos exemplos dessa índole que demonstram que a
preexistência é um fato e que estas impressões latentes ou adormecidas das
vidas passadas são os fatores principais na modelação do caráter individual,
sem depender da memória do passado. Porque não podemos lembrar nosso passado
devido à perda da memória dos acontecimentos particulares, o progresso da alma
não se detém. A alma continuará progredindo mais e mais, embora a memória seja
frágil.
Cada alma individual possui este armazém de
experiências anteriores no fundo, na mente subconsciente. Tomem o exemplo dos
amantes. Que é esse amor? É a atração entre duas almas. Este amor não morre com
a morte do corpo. O amor verdadeiro sobrevive à morte e continuará crescendo,
se fortalece mais e mais. Eventualmente, une duas almas e as unifica. Somente a
teoria da preexistência pode explicar porque duas almas se conhecem à primeira
vista e se unem com o vínculo da amizade. Este amor mútuo continuará crescendo
e se fortalecerá e ao final unirá estes amantes, não importa aonde vão.
Portanto, a Vedanta não diz que a morte do corpo termina com a atração ou apego
de duas almas; mas como as almas são imortais, portanto sua relação continuará
eternamente.
Os Yoguis sabem como desenvolver a memória e
como ler as vidas passadas. Dizem: o tempo e o espaço existem em relação com nossa presente condição mental; se podemos nos elevar acima
deste plano, nossa mente superior vê o passado e o futuro tal como vemos as
coisas ante nossos olhos. Quem deseja satisfazer a vã curiosidade de suas
mentes, podem gastar sua energia tentando recordar suas vidas passadas. Mas
creio que nos será muito mais útil se consagrarmos nosso tempo e energia em
modelar nosso futuro e em sermos melhores do que somos agora, porque a
lembrança de nossa condição anterior só nos forçará a fazer um mau uso da
atual. Quão feliz deve ser quem sabe que as más ações de sua vida passada
seguramente reagirão sobre ele e implicarão em infortúnio, aflição,
infelicidade ou sofrimento em uns poucos dias ou meses! Tal homem estaria tão inquieto e infeliz, que
não seria capaz de realizar apropriadamente trabalho algum; pensaria
constantemente na forma de aflição que se lhe apresentaria. Não poderia comer,
nem sequer dormir. Seria muito miserável. Portanto, devemos considerar como uma
grande bênção que não lembremos de nossas vidas e
ações passadas. A Vedanta diz: não gaste mal seu valioso tempo pensando em suas
vidas passadas; não olhe para trás durante a fastigiosa jornada através das
diferentes etapas da evolução; olhe sempre para diante e primeiro trate de
alcançar o ponto supremo do desenvolvimento espiritual; então, se quiser
conhecer suas vidas passadas, as recordará todas. Nada
lhe ficará sem conhecer, Conhecedor do Universo. Quando o Divino Eu Onisciente
se manifestar através de você, o tempo e o espaço se desvanecerão e o futuro se
transformará em eterno presente. Então dirá, como Sri
Krishna disse a Arjuna, no Bhagavad Gita:
“Você e eu atravessamos muitas vidas; você
não lembra nenhuma, mas eu as lembro todas”. (Capítulo IV, 5).
Capítulo II
A HERANÇA E A REENCARNAÇÃO
Quem aceita a teoria da herança, nega a
existência da alma humana como uma entidade separada do grosseiro organismo
físico. Por conseqüência, não discutem a questão de se a alma individual
existiu no passado ou continuará existindo depois da morte do corpo. Esta
espécie de questão não perturba suas mentes. No geral, sustentam que a alma
individual é inseparável do corpo, ou do cérebro, ou do sistema nervoso; conseqüentemente,
o que chamamos alma, ou a entidade consciente, ou o pensador, se produz junto
com o nascimento do organismo ou do cérebro; dura tanto quanto dura o corpo e
morre quando o organismo se dissolve em seus elementos. Por outro lado, contudo,
quem aceita a teoria da Reencarnação admite a existência da alma como uma
entidade consciente, que é independente do organismo físico, que continua
vivendo depois da morte e que existiu antes do nascimento do corpo.
A teoria da herança foi sustentada sempre
pelos cientistas materialistas, ateus e agnósticos de todas as idades e também
por quem crê na criação especial do homem e da mulher, primeiro em certo tempo
definido e que suas qualidades, caráter, vida e alma têm sido transmitidos a toda a humanidade através de sucessivas
gerações. O significado, comumente aceito pela teoria da herança, é que todas
as bem marcadas peculiaridades físicas e mentais dos pais passam aos filhos ou,
em outras palavras, a herança é aquela propriedade de um organismo pela qual
sua peculiar natureza se transmite a seus descendentes.
Em toda a história da humanidade jamais houve
um tempo em que esta questão da herança tenha sido discutida tão minuciosamente
e de tão diferentes modos, como no presente século. Embora esta teoria tenha
sido conhecida no Oriente pelos antigos filósofos vedânticos,
os budistas da era pré-cristã e os filósofos gregos no Ocidente, recebeu mesmo um novo impulso e cresceu com nova força desde a introdução da teoria
darwiniana da evolução das espécies. Junto com os últimos descobrimentos em
fisiologia, biologia, embriologia e outros ramos da ciência moderna, o
significado popular e simples da herança – que o filho não só se parece com
seus pais, entre os animais e os homens, mas que também herda todas as
peculiaridades individuais, a vida e o caráter de seus pais – tomou a forma do
problema mais complicado e difícil que é quase impossível de resolver. Nossas
mentes já não se contentam com a definição de Haeckel de que a herança é simplesmente uma hipertrofia do indivíduo, uma simples
continuidade de crescimento, mas queremos conhecer o método particular pelo
qual acontece a transmissão hereditária. Perguntamos: uma só célula, como pode
reproduzir todo um corpo do rebento, sua mente, seu caráter e todas as
peculiaridades de um organismo? Das miríades de células que compõe o corpo, que gênero de célula é a que possui o poder de
reproduzir as peculiaridades mentais e físicas, que se encontrarão na forma de
um bebê recém-nascido? Este é o mais desconcertante de todos os problemas que a
mente científica encontrou. A pergunta fundamental, conectada com a teoria da
herança é: Como pode uma só célula do corpo conter dentro de si todas as
tendências hereditárias de todo o organismo e a natureza, a mente e alma dos
pais? A teoria darwiniana da Pangênesis*, que
é só uma forma renovada de uma velha teoria similar colocada em movimento pelo
filósofo grego Demócrito, o professor Roth, August Weismann e outros da mesma escola, a refutaram. Estes
cientistas, através de observação e experimentação mais estritas, levantaram
vigorosas objeções contra as comumente aceitas teorias da herança e disseram
que os “caracteres adquiridos” jamais se transmitem. Os pais podem adquirir
certos caracteres mediante seus esforços individuais, mas não podem
transmiti-los a seus filhos. August Weismann disse: “Um
organismo não pode adquirir nada, a menos que tenha a predisposição para
adquiri-lo”. (Heredity, Tomo I, pág. 171).
*
A hipótese provisional darwiniana da Pangênisis ensina: “De todas as células do corpo estão desprendendo-se continuamente
partículas de um tamanho excessivamente diminuto; estas partículas se juntam às
células reprodutivas e, portanto, qualquer mudança que surja no organismo, em
qualquer tempo durante sua vida, está representada na célula reprodutiva”.
Darwin, A Variação dos Animais e as
Plantas sob Domesticação, Vol. II, págs. 349-339.
Segundo
Demócrito, o esperma é secretado de todas as partes do corpo de ambos os sexos
durante o contato carnal e é animado por uma força corporal, isto é, o esperma
de cada parte do corpo reproduz a mesma parte.
Muitos de vocês já estão
familiarizados com a teoria de Weismann sobre a
“continuidade do plasma germinal”. Nega a teoria de que herdamos tudo de nossos
pais, ou que as tendências hereditárias de nossos pais predominam em um filho,
as do avô em outro, as da avó em um terceiro e as do bisavô, ou tataravô em um
quarto; mas simplificou todo este problema admitindo a existência de uma
substância que se chama “plasma germinal”. Disse que a herança é produzida pela
transferência, de uma geração a outra, de uma substância com uma constituição
química definida e, sobretudo, molecular e a esta substância é chamada de
“plasma germinal”.
O doutor Weismann acredita que este plasma germinal contém as
potencialidades de todas as tendências que se desenvolvem em um indivíduo e que
as moléculas protoplásmicas possuem o poder de crescer, isto é, de assimilar o
alimento e de se incrementar mediante divisão. Estas células germinais, ou
plasmas, continuam de uma geração a outra. “Possuem a mesma constituição
molecular e, portanto, atravessariam exatamente as mesmas etapas sob certas
condições de desenvolvimento e formariam o mesmo produto final. A hipótese da
continuidade do plasma germinal dá um idêntico ponto de partida a cada geração
sucessiva e, dessa maneira, explica como é que, de todos eles, surge um produto
idêntico. Em outras palavras, a hipótese explica a herança como parte de
problemas subjacentes de assimilação e das causas que atuam diretamente durante
a ontogenia”. (Tomo I, pág. 170).
Segundo Weismann, todas as peculiaridades que encontramos em um
organismo, não são herdadas pelo organismo dos pais, mas disse: “Nada pode
surgir em um organismo, a menos que pré-exista a predisposição a ele, pois todo
caráter adquirido é simplesmente a reação do organismo sobre certos estímulos”.
(Tomo I, pág. 172). Portanto, as células germinais não herdam todas as
peculiaridades dos pais, mas possuem a predisposição ou uma potencialidade das
tendências que gradualmente se desenvolvem nos caracteres individuais.
Podemos entender
melhor sua teoria pelas seguintes citações, de suas próprias palavras. Disse:
“A esta substância chamada ‘plasma germinal’ é dado por certo que possui uma
estrutura altamente complexa, conferindo-lhe o poder de desenvolver-se em um
organismo complexo”. (Heredity, Tomo I, pág. 170). Assim
mesmo disse: “Portanto, há uma continuidade do plasma germinal de uma geração a
outra. O plasma germinal poderia representar-se mediante a metáfora de um longo
e rasteiro rizoma do qual brotam as plantas a intervalos, representando estas últimas
os indivíduos de gerações sucessivas. Disto se conclui que a transmissão dos
caracteres adquiridos é uma impossibilidade, pois se o plasma germinal não se
forma novamente em cada indivíduo, mas que se deriva do que o precedeu, sua
estrutura e, sobretudo, sua constituição molecular, não podem depender do
indivíduo no qual isso se apresenta, senão que tal indivíduo somente forma, por
assim dizer, o solo nutritivo á expensas de qual plasma germinal cresce,
enquanto que este último possuía sua estrutura característica desde o começo, a
saber, antes do começo do crescimento. Mas as tendências da herança, das quais
o plasma germinal é portador, dependem desta estrutura molecular mesma e,
contudo, somente esses caracteres poderão se transmitir através de gerações
sucessivas que tenham previamente herdadas, a saber,
aqueles caracteres que estavam contidos potencialmente na estrutura do plasma
germinal. Assim mesmo, se conclui que aqueles outros caracteres que foram
adquiridos pelas influências de condições externas especiais, durante a vida do
pai, não poderão se transmitir em absoluto”. (Tomo I, pág. 273). Concluindo Weismann escreve: “Mas, em todo caso, ganhamos tudo isto:
que os únicos fatos que parecem provar diretamente uma transmissão de
caracteres adquiridos tenham sido refutados e que a única base firme sobre a
qual até aqui se baseava esta hipóteses, foi destruída”. (Tomo I, pág. 461).
Desta maneira vimos
até onde foi impulsionada esta teoria da herança pelos grandes investigadores
científicos da era atual. Já não temos nenhum direito de acreditar na velha
hipótese, agora refutada, que dá por certo que casa organismo individual produz
células germinais novas uma e outra vez, e transmitem todos os seus poderes
desenvolvidos e adquiridos pelos pais; mas, pelo contrário, hoje chegamos a saber que os pais não são senão meros canais através dos
quais estes plasmas germinais, ou células germinais, manifestam suas peculiares
tendências e poderes que existiam neles desde o começo. A questão principal é
que os germens não são criados pelos pais, mas que existiam em gerações
anteriores.
Agora, com que se parece estes germens? De
onde adquirem estas tendências, estas peculiaridades? Esse é outro problema
dificílimo. O doutor Weismann e seus adeptos dizem
que estas peculiaridades são obtidas ou herdadas “da estirpe comum”, mas não
explica qual é essa estirpe comum. Onde está essa estirpe comum e por que
certos germens adquiriram certas tendências e outros germens retiveram outras
peculiaridades? O que os regula? Estas questões não estão resolvidas. Até agora
concluímos, da explicação do doutor Weismann, que os
pais não são os criadores dos germens, pelo contrário, que os germens existiam
antes do nascimento do corpo, antes do crescimento do corpo, em gerações anteriores,
ou na estirpe comum do universo. As gerações anteriores morreram e
desapareceram, de modo que podemos dizer que existiram no universo. Agora não podemos
crer na velha, tosca e refutada idéia de que Deus cria um gérmen a tempo de
nascer e que põe dentro dele todos os poderes e peculiaridades dos pais. Esta teoria
converte Deus em injusto e parcial, de modo que não nos seduz mais.
Necessitamos de explicações melhores e mais racionais. A teoria do nascimento
único, que pregaram os ministros cristãos e outros religiosos durante anos, não
elimina as dificuldades, não explica a causa das desigualdades e diversidades,
não responde a questão de se adquirimos as tendências e peculiaridades de
nossos pais, ou se os caracteres adquiridos não podem ser transmitidos. Já
vimos que estas questões ficaram sem resolução por parte da teoria do
nascimento único do cristianismo e judaísmo. Mas esta teoria da “continuidade
do plasma germinal” leva a questão da herança até a porta da Reencarnação. Se a
ciência moderna pode explicar o que é essa estirpe comum e porque e como estes
germens retêm aquelas peculiaridades e tendências, então a resposta será
completa. No entanto, a filosofia da Vedanta já explicou a causa da
potencialidade do gérmen da vida, ou “plasma germinal”, ou célula germinal.
A Vedanta resolve esta dificuldade dizendo
que cada um destes plasmas germinais, ou células germinais, não é senão a forma
sutil de um indivíduo reencarnado, contendo potencialmente todas as
experiências, caracteres, tendências e desejos que alguém teve na própria vida
anterior. Existiu antes do nascimento do corpo e continuará depois da morte do
corpo. Este gérmen ou corpo sutil não é o mesmo que o corpo astral dos
teósofos, nem o duplo dos pensadores metafísicos, nem o espírito desencarnado
dos espiritistas; mas que é um centro etéreo de atividade: físico, mental e
orgânico. É um centro que possui a tendência a manifestar estes poderes em
diferentes planos da existência. Contém as diminutas partículas da matéria ou
substância etérea e o princípio vital ou energia vital pela qual vivemos e nos
movemos. Assim mesmo possui os poderes mentais e os poderes sensórios; mas
todos estes permanecem latentes, tal como vemos em uma semente que os poderes
de crescimento, de assimilação e de produção de flores e frutos estão
latentes.
Na hora da morte, a alma individual se
contrai e permanece em forma de gérmen de vida. E por esta razão, ensina a
Vedanta, que não é a vontade de Deus nem a culpa dos pais o que forma os
caracteres dos filhos, mas que cada filho é responsável por
suas tendências, capacidades, poderes e caráter. É seu próprio “Karma” ou ações passadas o que
converte o filho em assassino ou santo, virtuoso ou pecador. As potencialidades
armazenadas no corpo sutil se manifestam no caráter de um indivíduo.
O argumento, adiantado pelos sustentadores da
teoria da transmissão hereditária, não aponta uma explicação satisfatória da
causa das desigualdades e diversidades do universo. Por que os filhos de mesmos
pais revelam uma marcada dessemelhança com os pais e entre si? Por que os
gêmeos se desenvolvem dentro de caracteres diferentes e possuem qualidades
opostas, embora nascidos dos mesmos pais ao mesmo tempo e são criados sob
similares condições e meios ambientes? Como pode a herança explicar tais casos?
Suponham que um homem tenha cinco filhos. Um é honesto e santo, outro é idiota,
o terceiro se converte em assassino, o quarto em gênio ou prodígio e o quinto é
um lesado e enfermo. Quem provocou estas diferenças? Não podem ser acidentais.
O acidente como tal não existe. Cada acontecimento do universo está ligado à
lei de causa e efeito. Deve haver alguma causa destas desigualdades. Quem fez honesto e santo a um, idiota a outro e assim
sucessivamente? Os pais? Isso não pode ser. Eles jamais sonharam que
produziriam um assassino, nem um mau, nem um idiota. Pelo contrário, todos os
pais desejam que seus filhos sejam os melhores e os mais felizes. Mas apesar de
tais desejos, têm tais filhos, por que? Quem é a
causa? A teoria da herança explica isto? Não, de nenhuma maneira.
Suponham que um homem de vinte e quatro anos,
que tem certos traços, como talento musical ou artístico como pintura, etc.,
tem o nariz torto e outras peculiaridades como os olhos vesgos,
que se parecem com os de seu avô. Suponham que seu avô morreu seis anos antes
que ele nascesse. Agora, quem acredita na teoria da herança dirá que este jovem herdou todas estas peculiaridades de seu avô. Quando as herdou?
Seu avô morreu seis anos antes que ele nascesse. Supostamente herdou em forma desse
gérmen. A que se parece esse gérmen? A um diminuto protoplasma, a uma
substância gelatinosa e se examinada com um potente microscópio, dificilmente
se descobrirá diferença
alguma entre ele e o gérmen protoplásmico de um cachorro, ou de um gato, ou de
uma árvore. É menor que uma cabeça de um alfinete. E nesse estado, este jovem
herdou todas estas peculiaridades de seu avô ou, em outras palavras, antes que
tivesse nariz, tinha um nariz torto; antes que tivesse olhos, herdou os olhos vesgos e antes que tivesse cérebro algum, herdou todos os
poderes maravilhosos: seu talento musical e artístico. Isto não lhes parece
absurdo? Embora admitamos esta teoria da herança, então, que entendemos? Que a
totalidade deste jovem existiu em forma de protoplasma antes que nascesse. Seus
olhos vesgos, seu nariz torto, seu talento
artístico... tudo isto pré-existiu em forma de célula
protoplásmica. Isto conduz ao mesmo que ensina a teoria da Reencarnação ou, em
outras palavras, se para este jovem é possível que permaneça em forma de um
protoplasma e herde todas essas coisas antes de seu nascimento, por que não
podemos crer que a alma ou o corpo sutil deste jovem as possuía desde o
princípio? Segundo a Vedanta, este jovem não era a pessoa de seu avô, mas tinha
sua própria existência independente; só que, ao atravessar o canal de seus
pais, recebeu certas impressões características, tal como uma árvore em seu
processo de crescimento receberá, do meio ambiente, certas peculiaridades
quando assimilar essas propriedades.
A doutrina da Reencarnação só pode explicar
satisfatória e racionalmente as diversidades entre os filhos e a razão de
muitos casos de poderes raros de genialidade posto em evidencia na infância. A
teoria da herança falhou até agora em dar alguma boa razão sobre aquelas. Por
que é que Pascal, aos doze anos de idade, descobriu por si só a maior parte da
geometria plana? Como pode o pastor Mangiamelo, aos
cinco anos de idade, calcular como uma máquina calculadora? Pensem no filho de Zerah Colburn: com a idade de
oito anos podia resolver, em um instante e sem usar cifra alguma, os mais
tremendos problemas matemáticos. “Em um caso pegou o número 8 e o elevou
progressivamente até a décima sexta potencia e em um instante mencionou o
resultado que continha 15 cifras: 281.474.976.710.656”. Certamente estava
correta a cifra. Quando foi pedido a ele o resultado da raiz quadrada de
números consistentes em seis cifras, deu instantaneamente o resultado com
perfeita precisão. Costumava dar a raiz cúbica de números em centenas de milhões
no momento em que lhe pediam. Uma vez alguém lhe perguntou quantos minutos
tinham em 48 horas e respondeu: 25.288.800.
Mozart, o grande músico, escreveu uma sonata
aos quatro anos de idade e uma ópera aos oito anos. Theresa Milanolla tocava violino com tanta destreza, que
muitas pessoas pensavam que ela devia fazê-lo antes de nascer. Há muitos casos
dessa natureza, de poderes maravilhosos exibidos por artistas e pintores quando
eram muito jovens. Sankaracharya, o grande comentarista da filosofia da Vedanta,
concluiu seu comentário quando tinha doze anos de idade. Como a teoria da
transmigração hereditária pode explicar tais casos? Muitos de vocês têm ouvido
falar do maravilhoso talento musical do Cego Tom. Este escravo negro cego
nasceu em uma plantação de seu amo e foi educado como um típico negro. Não se
instruiu em música, nem em nenhuma outra matéria. Um dia em que a família de
seu amo estava ceando, entrou na sala e revelou seu maravilhoso poder musical,
pela primeira vez, tocando no piano de seu amo. Depois se exibiu em diferentes
estados deste país. Seu intelecto era muito pobre, mas na música era um mestre.
Seu talento musical era tão grande que compunha música para si e tocava suas
próprias composições. Às vezes, logo ao ouvir uma só vez uma peça musical
rápida, podia reproduzi-la nota por nota. De onde obteve todos estes poderes?
De quem os herdou? Seus pais talvez nem sequer ouviram falar de um piano. Nunca recebeu uma lição em sua vida e não podia tê-la
entendido mesmo que a recebesse. Não faz muito tempo, vi uma menina de uns seis
anos que podia reproduzir a música mais difícil depois de ouvi-la uma só vez. Me pareceu que deveria ter tocado o piano em sua encarnação
anterior. Esta é a única explicação que podemos dar.
A herança explica tais casos? Não. Estas
ilustrações são suficientes para refutar a teoria da “herança acumulativa”.
“Acumulativa” significa gradualidade. Quem crê nesta
teoria diz que a genialidade é o resultado da herança acumulativa, isto é, se
apresenta por graus de genialidade menor ou maior e maior ainda e assim
sucessivamente. Em toda a história da
genealogia dos gênios como Homero, Platão, Shakespeare, Goethe, Raphael, nunca houve em suas famílias um quase Platão, um
quase Shakespeare ou um quase Goethe. Tampouco é possível rastrear os poderes
extraordinários de qualquer destes até qualquer membro de sua linhagem
ancestral. Portanto podemos dizer que nenhuma outra teoria, além da
Reencarnação, pode explicar satisfatoriamente as causas que produzem os gênios
e prodígios no mundo.
Quem aceita a verdade da Reencarnação não
culpa seus pais pelos seus pobres talentos, nem por possuir poderes
extraordinários, mas se contentam com sua própria sorte, sabedores que eles se
fizeram, como agora são, mediante seus próprios
pensamentos e ações em suas reencarnações anteriores. Entendem o significado do
ditado “O que semear, deverá colher” e se esforçam sempre por modelar seus
futuros, mediante melhores pensamentos e melhores ações. Explicam todas as
desigualdades e diversidades da vida e do caráter mediante a lei do “Karma”,
que governa o processo da Reencarnação, igual a gradual evolução dos germens da vida, desde as etapas inferiores até as etapas
superiores da existência.
Capítulo III
A EVOLUÇÃO E A REENCARNAÇÃO
Os assombrosos alcances da ciência moderna
têm aberto, a cada dia, novos portais da sabedoria e aproximado lentamente,
cada vez mais, as mentes humanas à realidade última do universo. O fogo do
conhecimento, entendido pela ciência, incendiou já muitos dogmas e crenças, tidos
por sagrados pela superstição do passado, que estavam no caminho das mentes
buscadoras da verdade. Em primeiro lugar, a ciência refutou a teoria da criação
do universo a partir do nada, mediante a ação de algum poder sobrenatural. Demonstrou
que o universo não apareceu em sua forma atual, nem entrou na existência
repentinamente há uns poucos milhares de anos, mas que levou idades para
atravessar diferentes etapas, antes que pudesse alcançar sua condição
atual. Cada uma destas etapas se
relacionou diretamente com uma etapa anterior, mediante a lei de causalidade,
que sempre opera de acordo com regras definidas. Os fenômenos do universo,
segundo a ciência, estão sujeitos à evolução, ou à mudança gradual e ao
desenvolvimento progressivo, desde uma condição relativamente uniforme, até uma
complexidade relativa. Desde o máximo sistema solar descendo até o menor fiapo
de erva, no universo tudo tomou suas atuais formas através deste processo
cósmico da evolução. Nosso planeta terra evoluiu gradualmente, talvez de
uma massa nebulosa que existiu, a princípio em um estado gasoso. O sol, a lua,
as estrelas, os satélites e demais planetas, entraram na existência
atravessando inumeráveis mudanças produzidas pelo estado evolutivo do Cosmos. Através
do mesmo processo as plantas, os insetos, os peixes, os répteis, os pássaros,
os animais, o homem e toda a matéria viva que habita esta terra, evoluíram
desde diminutos germens de vida dentro de suas formas atuais. A teoria da
Evolução diz que o homem não entrou na existência totalmente de repente, mas
que está relacionado com animais inferiores e plantas, direta ou indiretamente.
O gérmen da vida atravessou diversas etapas da forma física antes que pudesse
aparecer como homem. Aquele ramo da ciência que se chama Embriologia provou o
fato de que “O homem é o resumo de toda criação”. Disse que o corpo humano,
antes de nascer, atravessa todas as diferentes etapas do reino animal como
pólipo, peixe, réptil, cão, símio e, por último, o homem.
Ao explicar a teoria da Evolução, a ciência
disse que há dois fatores principais no processo da evolução. O primeiro é a
tendência à variante que existe em todas as formas vivas, sejam vegetais ou
animais. O segundo é a tendência do meio para influir sobre essa variação, seja
favorável ou desfavoravelmente. Sem o primeiro, a evolução de qualquer gênero
seria absolutamente impossível. Porém a causa dessa inata tendência à variação
é ainda desconhecida para a ciência. Do segundo depende a lei da seleção
natural. A variação deverá se adaptar às condições favoráveis da vida; em
conseqüência, ou o gérmen da vida seleciona meios ambientes adequados, ou se
transforma a fim de adaptar-se às condições circundantes, se estas são
desfavoráveis. Mas o agente deste
processo seletivo é a luta pela existência, que é um fator não menos
importante. Assim, a Evolução depende destas três leis: tendência a variar ou
variação, seleção natural e luta pela existência. A ciência explica, através
destas três leis, a evolução física, mental, intelectual, moral e espiritual da
humanidade. Mas a teoria da Evolução permanecerá ininteligível até que a
ciência possa rastrear a causa dessa inata “tendência a variar” que existe em
cada etapa de todas as formas vivas.
Se estudarmos com atenção, descobriremos que
o “eu” do homem consiste em duas naturezas: uma, animal e a outra, moral ou espiritual. A natureza animal inclui todas as propensões
animais, o desejo de gozos sensuais, o egoísmo, o medo da morte e a luta pela
existência. Cada uma destas encontra-se nos animais inferiores, o mesmo que nos
seres humanos e a diferença só está no grau e no gênero. Em uma tribo selvagem,
a expressão dessa natureza animal é simples e natural, enquanto que em uma
nação altamente civilizada não se expressa de maneira simples e direta, mas de
um modo artificial e refinado. Em uma comunidade civilizada, trabalhar a mesma
natureza através de variados artifícios, políticas e planos, aponta os mesmos
resultados de uma maneira mais educada. Na luta pela existência, entre os
animais inferiores e as tribos selvagens, quem é fisicamente forte sobrevive e
ganha vantagem sobre quem é fisicamente frágil; enquanto no mundo civilizado se
obtém o mesmo resultado, não mediante o desenvolvimento de forças físicas, mas
mediante a arte, diplomacia, política, estratégia e habilidade. Foram
inventadas várias espécies de armas defensivas e ofensivas para vencer quem é
menos destro em usá-las, embora possam ser fisicamente mais fortes. A simples
expressão da natureza animal que notamos nos selvagens e nos animais inferiores,
mediante o processo natural da evolução, se converteu gradualmente em cada vez
mais complexa, como encontramos nas nações civilizadas do mundo. A energia da
natureza humana inferior se gasta principalmente na luta pela existência
material.
Porém o homem tem outra natureza superior a
esta. Se expressa de diversos modos, mas em um plano superior. O amor à
verdade, o domínio da paixão, o controle dos sentidos, o auto-sacrifício
desinteressado, a misericórdia e a bondade para com todas as criaturas, a fé em
um Ser Supremo e a devoção; todas estas são expressões dessa natureza superior,
moral e espiritual. Isto não se pode explicar como desenvolvimento da natureza
animal por meio da luta pela existência material. Pois estas qualidades não se
encontram nos animais inferiores, embora a luta pela existência esteja ali. A
natureza moral e espiritual dos seres humanos não pode ser traçada como a
hipertrofia do desenvolvimento gradual da natureza animal. Entre os
evolucionistas há uma disputa a respeito do método para explicar sua causa. Alguns dizem que
estas faculdades superiores evoluíram das inferiores e se desenvolveram
mediante a variação e a seleção natural; enquanto outros sustentam que se
requer outra influência, lei ou agente superior que as explique.
O professor Huxley disse: “Como já insisti, a
prática do que é exatamente melhor (ao que chamamos bondade ou virtude) implica
um curso de conduta que, em todos os aspectos, é contrário ao que conduz ao bom
êxito na luta cósmica pela existência. No lugar de inumana auto-afirmação, exige auto-restrição;
em lugar de desprezar ou pisotear todos os competidores, requer que o indivíduo
não só respeite, mas que ajude a seus semelhantes; sua influência não se dirige
tanto para a sobrevivência dos mais aptos, quanto a capacitar o mais possível
para que sobrevivam. Repudia a teoria gladiatória da
existência. Exige que cada homem que ingresse no desfrute dos benefícios de uma
política, tenha presente sua dívida para com quem laboriosamente a construiu e
preste atenção a que nenhum ato seu debilite o edifício no qual lhe foi
permitido viver. As leis e os preceitos morais estão dirigidos para o fim de
conter os processos cósmicos e de lembrar ao indivíduo seu dever para com a
comunidade, cuja proteção e influência se deve, se não à existência mesma, pelo
menos à vida de algo melhor que um selvagem brutal”. (Evolution and Ethics,
págs. 81-82.)
O professor Calderwood disse: “Até agora, no que concerne ao organismo humano, a teoria da evolução não parece encontrar-se com obstáculos opressores, mas sob
tal teoria parece impossível explicar o aparecimento da vida pensante e
auto-reguladora, claramente humana”. De maneira que, segundo alguns dos
melhores pensadores, a explicação da natureza moral e espiritual do homem como
um desenvolvimento da natureza animal, é inteiramente insuficiente e
insatisfatória. A teoria da seleção natural na luta pela existência não pode
explicar a causa da natureza superior do homem. Não podemos dizer que uma
teoria seja completa porque explica muitos fatos. Pelo contrário, se não
explica um só fato, então está provado que é incompleta. Como tal, a teoria que
não pode explicar satisfatoriamente a causa da natureza moral e espiritual do
homem, não pode ser aceita como uma teoria completa. Se
considerará explicação completa a que explique muito satisfatoriamente
todas as diversas manifestações da natureza animal, moral e espiritual. Ademais,
supondo que a “tendência a variar” tenha evoluído na natureza moral e
espiritual do homem, a ciência não explica a causa dessa tendência a variar,
nem como a natureza animal possa transformar-se em natureza moral e espiritual.
Essa “tendência a variar” é indefinida ou está limitada por alguma lei
definida? A ciência nada diz sobre isso.
A explicação dos teólogos, no sentido de que
a natureza espiritual foi agregada à natureza animal por algum meio espiritual
extracósmico, não é científica, nem apela à nossa razão.
Vejamos agora que diz a Vedanta sobre essa
questão. A Vedanta aceita a evolução e admite as leis da variação e a seleção
natural, mas a um passo além da ciência moderna, ao explicar a causa dessa
“tendência a variar”. Diz: “No final não há nada que também não tenha existido
no princípio”. Esta é uma lei que governa o processo da evolução, igual a lei da causalidade. Se admitirmos esta grandiosa verdade
da natureza, então não será difícil explicar, mediante a teoria da Evolução, a
manifestação da natureza superior do homem. A tendência do
monismo cientifico se dirige para esse fim.
Alguns cientistas modernos, que sustentam a
posição monística, descobrirem a mesma verdade que os
filósofos vedânticos, na Índia, descobriram há muito tempo. J. Arthur Thomson,
um eminente cientista inglês da atualidade, em seu livro The Study of Animal Life,
disse: “O mundo é um só, não duplo; o infinito espiritual é a realidade
prístina, e no final não há nada que também não tenha existido no princípio”.
Mas os evolucionistas não aceitam esta verdade. Entendamos isto claramente.
Isto significa que o que existiu potencialmente no tempo do princípio da
evolução, se manifestou gradualmente nas diversas etapas e graus da evolução. Se admitimos que um gérmen unicelular da vida, ou um
bioplasma, logo ao atravessar várias etapas da evolução, se manifestou, em
última instância, em forma de um ser humano altamente desenvolvido, então
teremos que admitir a potencialidade de todos os poderes manifestados nesse gérmen
ou bioplasma, porque a lei é: “o que existe no final, existiu também no
princípio”. A natureza animal, a natureza superior, a mente, o intelecto, o
espírito, tudo isto existe potencialmente no gérmen da vida. Se não admitimos
esta lei, então surgirá este problema: Como pode o existente se converter em
existente? Como algo pode sair do nada? Como pode entrar na existência o que
não existiu antes? Cada gérmen de vida, segundo a Vedanta, possui infinitas
potencialidades e infinitas possibilidades. Os poderes que permanecem latentes
têm a tendência natural a manifestar-se perfeitamente e a de se tornarem reais.
Em seu intento, variam de acordo com os meios circundantes, escolhendo
condições apropriadas ou permanecendo latentes tanto tempo como as
circunstâncias não os favoreçam. Portanto, a variação, segundo a Vedanta, é
causada por este intento dos poderes potenciais para tornarem-se reais. Quando
a vida e a mente começaram a evoluir, as possibilidades de ação e reação até
aqui latentes no gérmen da vida, se tornaram reais e todas as coisas, em um
sentido, se tornaram novas. Ninguém pode imaginar a quantidade de poder latente
que possui um diminuto gérmen de vida, até que se expressa de forma grosseira
no plano físico. Vendo a semente de um baniano, quem
nunca viu essa árvore não pode imaginar que poderes estão adormecidos nela.
Quando nasce um bebê, não podemos dizer se será um grande santo, ou um artista
prodigioso, ou um filósofo, ou um idiota, ou um mau da pior qualidade. Os pais
nada sabem do futuro dele. Junto com seu crescimento, começam a se manifestar
gradualmente certos poderes latentes. Os mais fortes e potentes vencerão aos
demais e controlarão seu curso durante algum tempo; mas quando os poderes que
permanecem submetidos pelos mais fortes obtêm condições favoráveis, aparecerão as formas manifestadas. Como, por exemplo, as forças
químicas podem adormecer na matéria durante mil anos, mas quando o contato com
os reagentes as libera, aparecem novamente e produzem certos resultados.
Durante milhares de anos, o galvanismo adormeceu no cobre e no zinco, que jazem
tranqüilamente junto à prata. Tão logo estes três se uniram sob as condições
requeridas, a prata é consumida pela chama. A semente seca de uma planta pode
preservar o adormecido poder do crescimento através de dois ou três mil anos e
reaparecer logo sob condições favoráveis. Sir G. Wilkinson, o grande
arqueólogo, encontrou alguns grãos de trigo em um vaso hermeticamente fechado,
em Tebas, que deveria ter estado ali durante três mil anos. Quando o senhor Pettigrew as semeou, cresceram em plantas. Algumas raízes
vegetais encontradas nas mãos de uma múmia egípcia que devia ter pelo menos
dois mil anos, plantadas em uma maceta, cresceram e floresceram. De maneira
que, onde quer que os poderes latentes obtenham condições favoráveis, se
manifestam segundo a natureza, até depois de mil anos.
De modo semelhante há muitos casos de poderes
mentais adormecidos. Logo ao permanecerem adormecidos durante um longo período
em nossa condição normal, em certos estados anormais (como loucura, delírio,
catalepsia, sono hipnótico, etc.), podem resplandecer em luminosa consciência e
mergulhar no absoluto esquecimento dos poderes que se manifestam nos estado
normal. Os talentos oratórios, musicais, pictóricos e a rara engenhosidade nas
diversas artes mecânicas, cujas pegadas jamais se encontraram na condição
normal corrente, evoluíram muitas vezes, durante o estado de insônia. Os
sonâmbulos, durante o sono profundo, resolveram dificílimos problemas
matemáticos e realizaram vários atos com resultados que os assombraram ao estar
em seus estados normais de vigília. Assim podemos entender que cada mente individual
é o depósito de muitos poderes, de várias impressões e idéias, algumas das
quais se manifestam em nosso estado normal, enquanto outras permanecem
latentes. Nossa condição atual da mente e do corpo não é senão a forma
manifestada de certos poderes adormecidos que existem em nós mesmos. Ao se
suscitar novos poderes e ao manifestarem-se, toda a natureza mudará em uma nova
forma. A manifestação dos poderes latentes está no fundo da evolução de uma
espécie a outra. Esta idéia foi expressa em poucas palavras por Patanjali, o grande evolucionista hindu que viveu muito
antes da era cristã. * No segundo aforismo do capítulo quarto
(veja-se Raja Yoga, por Swami
Vivekananda, pág. 210) se diz: “A Evolução em outras espécies é causada pelo
preenchimento interior da natureza”. A natureza não se preenche de fora senão
de dentro. A alma individual não agrega nada de fora. Os germens já estão ali,
mas seu desenvolvimento depende de que entrem em contato com as condições
necessárias requeridas para a manifestação apropriada. Às vezes vemos que um
malvado se converte repentinamente em um santo. Há casos de assassinos e
assaltantes que se convertem em santos. O religioso explicará a causa de sua
mudança súbita dizendo que a graça do Todo Poderoso caiu sobre eles e
transformou toda sua natureza. Mas a Vedanta diz que os poderes orais e
espirituais, que permaneceram latentes neles, despertaram e que o resultado é
essa súbita transformação. Ninguém pode dizer quando, nem como os poderes
adormecidos despertarão e começaram a manifestar-se. O gérmen da vida está
estudando, por assim dizer, o livro de sua própria natureza, passando uma
página atrás da outra. Quando percorreu todas as páginas ou, em outras
palavras, todas as etapas da evolução, se adquire o conhecimento perfeito e conclui
o curso. Lemos nossa própria natureza inferior passando cada página ou, em
outras palavras, atravessando cada etapa da vida animal desde o menor bioplasma
até o atual estado da existência. Agora estamos estudando as páginas que tratam
sobre a moral e as leis espirituais. Se qualquer pessoa quiser ler alguma
página novamente, o fará. Como ler um livro, se alguém se sente particularmente
interessado em qualquer página ou capítulo, o relerá uma e outra vez e não
iniciará uma nova página ou um novo capítulo até que esteja perfeitamente
satisfeito com isso.De modo parecido, ao ler o livro
da vida, se a alma individual gosta de alguma etapa em particular, ficará ali
até estar perfeitamente satisfeita com ela; depois disso, avançará e estudará
outras páginas. Alguém pode ler muito lentamente e outro, muito rapidamente;
mas lendo lenta ou rapidamente, cada um de nós têm a obrigação de ler todo o
livro da natureza e de alcançar a perfeição mais cedo ou mais tarde.
* O leitor deve saber que a doutrina da Evolução era
conhecida na Índia muito antes da era cristã. Até o século VIII a.C., Kapila, o padre dos evolucionistas hindus, explicou esta
teoria pela primeira vez através da lógica e da ciência.
Sir Monier Monier Williams disse: “Em verdade, se me permite o anacronismo,
os hindus eram spinozistas há mais de 2000 anos antes
da existência de Spinoza; e darwinistas muitos séculos antes de Darwin; e
evolucionistas muitos séculos antes que a doutrina da Evolução tivesse sido
aceita pelos cientistas de nosso tempo e antes que a palavra Evolução existisse
em qualquer idioma do mundo”. (Hinduism and Brahminism, Pág.12). o professor Huxley disse: “Para não mencionar os Sábios
indianos, para quem a Evolução era uma noção familiar, em idades anteriores ao
nascimento de Paulo de Tarso”. (Science and Hebrew Tradition,
Pág. 150).
Segundo a Vedanta, o fim e o objetivo da
Evolução é o alcance da perfeição. A evolução física da vida animal alcançou
sua perfeição na forma humana. Sob as atuais condições, não pode haver nenhuma
outra forma superior a humana sobre a terra. Disto podemos inferir que a
tendência da Lei da Evolução é alcançar a perfeição. Quando se alcança esta, se
cumpre toda a finalidade. Vimos na natureza alguma outra forma superior
evoluída do corpo humano? Não. Não estaremos justificados se dissermos que o
fim da evolução física é o alcance da perfeição da forma animal? Ademais, como
a finalidade e o método das leis naturais são uniformes em todo o universo, o
fim da evolução intelectual, moral e espiritual se alcançará quando se adquirir
a perfeição intelectual, moral e espiritual. Perfeição intelectual significa
perfeição do intelecto; e o intelecto é perfeito quando entendemos a natureza
verdadeira das coisas e nunca confundimos o irreal com o real, a matéria com o
espírito, o não-eterno com o eterno, ou vice e versa. A perfeição moral
consiste na destruição do egoísmo; e a perfeição espiritual á a manifestação da
verdadeira natureza do espírito, que é imortal, livre, divino e uno com o
Espírito Universal ou Deus. A evolução alcança a suprema realização de sua
finalidade quando o espírito se manifesta perfeitamente. A tendência da
natureza é ter a manifestação perfeita de todos seus poderes. Quando certos poderes predominam, se manifestam primeiro, enquanto que os
outros permanecem adormecidos. Como o encontramos no processo da evolução,
quando a natureza moral e espiritual se manifesta plenamente, a natureza animal
está latente. É por essa razão que não encontramos expressões de natureza moral
e espiritual nos animais inferiores, nem nos seres humanos que vivem como eles.
O homem é o único animal em quem são possíveis tais expressões perfeitas da
natureza moral e espiritual.
Quando a alma individual começa a estudar sua
natureza espiritual, sua natureza inferior ou animal se eclipsa gradualmente.
Quando a natureza superior de torna poderosa, a natureza inferior se apequena
até a insignificância; sua energia se transforma na de natureza superior e, em
última instância, desaparece por completo e não aparece mais. Então a alma se
liberta da natureza inferior ou animal. Há muitas etapas na natureza superior,
igual às da inferior. Cada uma destas etapas ata a alma individual tanto tempo
como está ali. Quando aquela se eleva a um plano superior, as etapas inferiores
desaparecem e cessam de atar. Porém, no momento em que qualquer indivíduo,
assim que atravessar todas as etapas da natureza espiritual,
chega ao último ponto de perfeição, compreende sua natureza verdadeira,
que é imortal e divina. Por falta de verdadeiro conhecimento, se identifica
sucessivamente com cada etapa e pensa que sua individualidade era una com os
poderes que se manifestavam em cada etapa. Em conseqüência, pensou, por erro,
que era afetado pelas mudanças de cada etapa. Mas agora se dá conta de que sua individualidade
real permaneceu sempre intacta. Vê que sua verdadeira individualidade brilha
sempre da mesma maneira, embora variem os aditamentos. Assim como a luz de uma
lâmpada parece ser de diferentes cores se passada através de vidros de
diferentes cores, de igual maneira a luz do indivíduo verdadeiro aparece como
animal ou humana, quando passa através da natureza animal ou
humana do corpo sutil. O corpo sutil de um indivíduo se transforma,
através da natureza moral e espiritual, de natureza animal em natureza divina.
Como este crescimento gradual não pode ser esperada em
uma só vida, teremos que admitir a verdade da Reencarnação, que ensina a
gradual evolução do gérmen da vida, ou da alma individual através de muitas
vidas e variadas formas. De outro modo, a teoria da Evolução permanecerá
imperfeita, incompleta e sem objeto. A doutrina da reencarnação difere da
aceita pela teoria da Evolução, ao admitir uma evolução gradual mas contínua do corpo sutil através de muitas formas
grosseiras. O corpo grosseiro pode aparecer ou desaparecer, mas o corpo sutil
continua existindo, mesmo depois da dissolução do corpo grosseiro e torna a
manifestar-se em alguma outra forma.
A teoria da reencarnação, quando entendida
apropriadamente, aparece como um suplemento da teoria da Evolução. Sem este
importante suplemento, a teoria da Evolução jamais será completa e perfeita. A
Evolução explica o processo da vida, enquanto a Reencarnação explica a
finalidade da vida. Portanto, ambas devem marchar juntas, para que constitua a
explicação satisfatória em todos os aspectos.
James Freeman Clarke disse: “A doutrina
popular da ciência atual é que o homem chegou a seu atual estado de
desenvolvimento atravessando as formas inferiores. O que se chama Evolução, ensina que alcançamos nosso atual estado mediante uma
muito longa e gradual ascensão, desde as mais baixas organizações animais. É
certo que a teoria darwiniana não toma nota da evolução da alma, mas somente da
do corpo. Mas me parece que uma combinação dos critérios eliminaria muitas
dificuldades inerentes até à teoria da seleção natural e da sobrevivência dos
mais aptos. Se temos que crer na Evolução, contemos com a ajuda da alma mesma
neste desenvolvimento de uma nova espécie. Assim a ciência e a filosofia
cooperarão e tampouco a poesia vacilará em prestar seu auxílio”. (Tem Great Religions, II. Pág. 190). A Evolução do corpo depende da
evolução do gérmen da vida ou da alma individual. Quando estas duas combinam, a
explicação se torna perfeita.
A teoria da Reencarnação é uma necessidade
lógica para complementação da teoria da Evolução. Se
admitimos uma evolução contínua do gérmen da vida através de muitas
manifestações grosseiras, então aceitamos inconscientemente os ensinamentos da
doutrina da Reencarnação. Ao atravessar diferentes formas e manifestações, a
unidade da vida não perde sua identidade nem sua individualidade. Assim como um
átomo não perde sua identidade, nem sua individualidade (se me permitem supor
que um átomo tem um gênero de individualidade) mesmo que passe do mineral,
através do vegetal, dentro do animal, de igual modo o gérmen da vida preserva
sempre sua identidade ou individualidade, embora passe através de diferentes
etapas evolutivas.
Portanto, se diz no Bhagavad Gita que, assim
como, em nossa vida ordinária, a alma individual passa do corpo de um
recém-nascido ao de um jovem e deste ao de um ancião, e leva consigo todas as impressões, idéias e experiência que reuniu em sua etapa anterior da
existência e as reproduz no tempo apropriado, de igual modo, quando um homem
morre, a alma individual passa de um corpo velho a um corpo novo e leva consigo
o corpo sutil, no qual está armazenado tudo o que experimentou e reuniu durante
suas encarnações passadas. Conhecedores disto, os sábios nunca temem a morte.
Sabem que a morte não é senão uma mera mudança de um corpo a outro. Portanto,
se alguém não conseguiu vencer a natureza inferior mediante a superior, o
intentará novamente em sua próxima encarnação, depois de partir do ponto que
alcançou em sua vida passada. Não começará novamente do princípio, mas da
última etapa a qual chegou. Assim, vemos que a Reencarnação é a seqüência
lógica da evolução. Ela completa e aperfeiçoa essa teoria e explica a causa da
natureza moral e espiritual do homem.
Capítulo IV
QUE É CIENTÍFICO: A RESSURREIÇÃO OU A
REENCARNAÇÃO?
Os estudiosos da história se interessam em
saber onde a idéia da ressurreição surgiu pela primeira vez e como foi adotada
pelas outras nações. Se lermos cuidadosamente os escritos atribuídos a Moisés e
outros autores do Antigo Testamento, vimos que os antigos israelitas não
acreditavam no céu nem no inferno, nem na recompensa nem no castigo, depois da
morte. É duvidoso que tivessem algum claro conceito da existência da alma
depois da dissolução do corpo humano. Não tinham uma idéia definitiva sobre o
mais além. Não acreditavam na ressurreição da alma, nem do corpo. Jó desejava a morte pensando que seria o fim de sua agonia
mental. Nos Salmos lemos: “Manifestarás tuas maravilhas aos mortos? Se
levantarão os mortos para louvarem-te?” (Salmos, 88:10). “Por que na morte não há memória de ti, no Seol, quem te louvará?” (Salmos, 6:5). Além
disso (Salmos, 146:4) se diz sobre os príncipes e o filho do homem:
“Pois saia seu alento e volta à terra; nesse mesmo dia perecem seus
pensamentos”. “Não louvarão os mortos ao Senhor, nem quantos descendem do
silêncio”. (Salmos, 114:17).
Salomão fala ousadamente: “Tudo acontece da
mesma maneira a todos; um mesmo acontecimento ocorre ao justo e ao ímpio; ao
bom, ao limpo e ao não limpo... como ao bom, assim ao que peca”. (Eclesiastes,
9:2). “Anda, e come teu pão com gozo, e bebe teu vinho com alegre coração...
Goza da vida com a mulher que amas... porque no Seol,
aonde vais, não há outra obra, nem trabalho, nem ciência, nem sabedoria” (Eclesiastes,
9:7, 9, 10). Assim mesmo, no versículo 5 se diz: “Porém os mortos nada sabem,
nem tem más pagas; porque sua memória é posta em esquecimento”. Salomão diz:
“Porque o que acontece aos filhos dos homens, e o que acontece com os animais,
um mesmo acontecimento é: como morrem uns, assim morrem os outros, e uma mesma
respiração tem todos; não tem mais o homem que o animal”. “Tudo vai a um mesmo
lugar; tudo é feito de pó. E tudo voltará ao mesmo pó”. “Quem sabe que o
espírito dos filhos dos homens sobe, e que o espírito do animal desce à terra?” (Eclesiastes, 3:19-21). Há muitas passagens que
demonstram claramente que, antes do cativeiro babilônico, os israelitas não
acreditavam em recompensa nem castigo, nem em céu, nem em inferno, nem na
ressurreição da alma. Alguns dizem que acreditavam em um sheol ou poço onde as almas
permaneciam depois da morte, mas que nunca ressuscitavam. Mas quando os antigos
judeus foram conquistados pelos persas, ano 536 a.C., entraram em contato com
uma nação que havia desenvolvido uma crença em um só Deus, em um céu e um
inferno, na ressurreição dos mortos, na recompensa e no castigo depois da
morte, e no dia do Juízo Final. Sob o domínio da Pérsia, cujo regime começou
com a captura da Babilônia e durou de 536 até 333 a.C., os judeus
experimentaram uma grande influência por parte da religião persa. Renunciaram a
sua idolatria, desenvolveram gradualmente uma organização social e tiveram
considerável liberdade. Para esse tempo, os judeus se dividiram em duas
classes: os fariseus e os saduceus. Quem adotou a
idéias religiosas dos parsis foram chamados fariseus (segundo algumas
autoridades, a palavra fariseu era a forma hebréia de parsi)
e quem seguiu estritamente as idéia, cerimônias,
rituais e crenças judias, foram chamados de saduceus.
Os primeiros se opunham marcadamente aos últimos e suas crenças doutrinais.
Acreditavam em anjos e espíritos, esperavam a ressurreição dos mortos e
acreditavam em recompensas e castigos futuros e também a predeterminação
divina. Os saduceus não transpuseram os limites do
antigo judaísmo. Eram ortodoxos e muito conservadores em seus critérios.
Negavam a existência de anjos e espíritos, a ressurreição dos mortos e a
recompensa e castigo depois da morte. Em Mateus 22:23 lemos: “Esse mesmo dia correram a ele os saduceus,
que dizem que não há ressurreição”. Os saduceus eram
inferiores aos fariseus, em número. Gradualmente, os últimos tomaram grandioso
predicamento, e logo depois da morte e Jesus, suas doutrinas da ressurreição
dos mortos e da recompensa e o castigo depois da morte e a crença em anjos e
espíritos, se converteram nos princípios cardinais da nova seita cristã.
Assim vemos que a idéia da ressurreição
surgiu primeiro na Pérsia e depois ocupou um
proeminente lugar nos escritos do Novo Testamento e, desde então, tem sido
grandemente aceita pelos cristãos e pelos países ocidentais. Os zoroastrianos acreditavam que a alma dos mortos se aproximava
do corpo durante três noites e não partia ao outro mundo até o amanhecer depois
da terceira noite. Então, os justos vão ao céu e os iníquos ao inferno. Ali, os
iníquos permanecem até o tempo da renovação do universo, isto é, o dia do
juízo. Depois da renovação, quando Ahriman ou Satã é
morto, as almas dos iníquos serão purificadas e terão um progresso sempiterno. * Se fez a pergunta: “Como acontecerá a ressurreição?”. Ahura Mazda disse: “A resposta é esta: a preparação e
produção da ressurreição são um alcance conectado com o milagre, uma
sublimidade e depois também uma maravilhosa aparição em criaturas não formadas.
Os segredos e assuntos do Criador persistente são como todos os mistérios e
segredos”.
* “Sacred Books of
the East”, Vol. XVII, págs. 26,34,46. Ibis, pág. 80.
Os zoroastrianos acreditavam
na ressurreição, não do corpo físico, mas da alma e esse era um ato milagroso. De
maneira parecida foi milagrosa a ressurreição de Jesus. Embora o mesmo Jesus
nunca tenha mencionado a que classe de ressurreição (do corpo ou da alma) se
referia ou acreditava, a interpretação dos autores dos Evangelhos demonstram que
seus discípulos entenderam que Ele se referia à ressurreição corporal e à
reaparição de Sua forma física. Ficavam os três dias, como acreditavam os zoroastrianos. A milagrosa e admirável aparição de Jesus
ante Seus discípulos foi pregada muito vigorosamente por Paulo. Em sua Epístola
aos Coríntios, Paulo declara enfaticamente que toda a religião cristã depende
da milagrosa ressurreição e aparição de Jesus. Embora Paulo tenha dito que o
corpo espiritual dos mortos que levantaram não seja o mesmo que o corpo de
sangue e carne (I Coríntios, 15), até se passa por alto geralmente um ponto
importante e o resultado é a crença que encontramos entre algumas seitas
cristãs: que ante o chamado dos anjos, o corpo se levantará da tumba e o
consumido pó dos ossos e a carne será juntado pelo milagroso poder de Deus Todo
Poderoso. Paulo disse: “Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos; primícias dos
que dormiram é feito”. (I Coríntios, 15:20). Ele
pregou que Cristo era o primeiro nascido dos mortos, que quem não acreditasse nEle nem em Sua ressurreição não se levantaria.
Notamos que os parsis acreditavam na
ressurreição milagrosa; que o mesmo milagre se tornou mais definido no caso de
Jesus; e que a fé cristã fundou-se depois, sobre esse acontecimento milagroso.
Tanto os parsis como
os seguidores de Cristo, não entendiam como ressurreição nenhuma lei universal,
mas um milagre executado por certos poderes sobrenaturais. Não deram razão
científica alguma a tal milagre.
Porém a ciência moderna nega os milagres.
Ensina que este universo é guiado não por milagres, como costumavam crer os
velhos pensadores, mas por leis definidas que são sempre coerentes e
universais. Não pode haver exceção alguma àquelas leis que são uniformes em
toda parte. Se a ressurreição é uma dessas leis, então deve ter existido antes
do nascimento de Jesus; como tal, como poderia ter sido Ele o primeiro que
surgiu dentre os mortos, como descreveu Paulo. Ao contrário, se Jesus foi o
primeiro que surgiu dentre os mortos, então a ressurreição não pode ser uma lei
universal. Os cientistas não acreditavam em nada que não se baseasse em leis
universais. Alguns agnósticos e materialistas foram tão longe ao dizer que
Jesus não morreu na cruz, mas que sua animação foi suspensa quando José de Arimatéia desceu seu corpo da cruz. Quando José foi a
Pilatos e pediu o corpo de Jesus, Pilatos ficou maravilhado de que Ele
estivesse morto (Marcos, 15:44), porque isso aconteceu
somente seis horas depois da crucificação. Alguns fisiológicos modernos são de
opinião que os homens valentes e fortes poderiam viver vários dias na cruz.
Estes agnósticos heréticos e científicos céticos dizem que o corpo de Jesus
reviveu depois de umas poucas horas na tumba fria cavada na rocha, que caminhou
fora da tumba, se dirigiu a Galiléia e apareceu
adiante de seus discípulos. * Sejam como foram os fatos (ninguém pode
dizer agora exatamente o que aconteceu na realidade), está claro que os
cientistas não estão dispostos a aceitar nada que se apóie em uma autoridade.
Não se preocupam em acreditar em nada, porque está escrito neste ou naquele
livro. Devem ter provas convincentes e uma explicação racional de todos os
fenômenos da natureza. Querem penetrar nos milagres a fim de descobrir as leis
universais que os governam. Se não encontram nenhuma de tais leis, com
segurança rechaçarão todo acontecimento que se suponha causado por poderes
milagrosos ou sobrenaturais.
* Leia-se
“Science and Christian Tradition”, pelo Prof. Huxley, págs. 279-280.
A
teoria de uma ressurreição milagrosa é seguida pela crença em que a alma
individual não existe antes do nascimento. Quem sustenta essa teoria afirma
que, no tempo do nascimento, o indivíduo, ao ser criado do nada, entra
novamente na existência. Mas a ciência nos diz que a repentina criação a partir
do nada e uma destruição total de algo, são impossíveis, a matéria e a força
são indestrutíveis. A ciência ensina a evolução e não a criação e nega a
intervenção de ser sobrenatural algum como causa das mudanças fenomênicas. A
teoria da ressurreição ignora todas estas últimas conclusões da ciência moderna. Pelo contrário, as doutrinas
da Reencarnação, após aceitar todas as verdades e leis da natureza que tenham
sido descobertas pela ciência moderna, as conduz até suas apropriadas
conclusões lógicas. A Reencarnação se baseia
na evolução. Isto significa uma evolução contínua de um gérmen individual de
vida e uma manifestação gradual de todos os poderes e forças que existem nela
potencialmente. Além do mais, a doutrina da Reencarnação se baseia na lei de
causa e efeito. Ensina que a causa não está fora do efeito, mas que está no
efeito. A causa é o estado potencial ou imanifestado do efeito e o efeito é a
causa real ou manifestada. Há uma corrente de força ou poder infinito que flui
constantemente no oceano da realidade do universo e que aparece nas inumeráveis
formas das ondas. A um conjunto de ondas chamamos de causa de outro conjunto mas, de fato, o que é a causa é a potencialidade do efeito
futuro e a realidade de uma anterior causa potencial. A corrente subjacente é
uma mesma onde quer que esteja. A Reencarnação nega a idéia de que a alma
entrou na existência totalmente repentinamente, ou que foi criada pela primeira
vez, mas sustenta que existiu desde o passado sem começo e existirá através de
toda a eternidade. A alma individual goza ou sofre segundo as ações que
realiza. Todo o gozo e todo sofrimento não são senão as reações de nossas
ações. As ações são as causas e as reações os resultados. Nossa visa atual é o
resultado de nossas ações passadas e nossa vida futura será o resultado da
atual. As ações que agora estamos realizando, não se perderão. Pensam que as
forças do pensamento de um tempo vital terminarão repentinamente depois da
morte? Não. Serão conservadas e permanecerão potencialmente no centro e se
re-manifestarão sob condições convenientes. Cada alma humana não é senão um
centro da força de pensamento. Este centro de chama, em sânscrito, Sukshma Sarira, ou o
corpo sutil de um indivíduo. O gérmen sutil da vida ou, em outras palavras, o
centro invisível das forças do pensamento, manufaturarão um veículo físico para
expressar os poderes latentes que estão prontos para a manifestação. Este
processo continuará até que o gérmen possa expressar muito perfeitamente todos
os poderes arrolados em sua forma invisível. Assim como a doutrina da
reencarnação está de acordo com todas as leis físicas, de igual modo se baseia
em leis físicas, morais e éticas. Assim como no plano objetivo a lei de ação e
reação governa os fenômenos objetivos, de igual modo, no plano subjetivo da
consciência, se a ação mental, ou pensamento, é boa, a
reação será boa; e a reação será má se a ação mental é má, porque cada ação
produz uma reação similar. Uma boa reação é a que nos faz felizes e nos traz
sensações prazerosas ou paz mental, enquanto que a reação má nos traz
sofrimento, sensações desagradáveis e nos faz miseráveis. De maneira que a
Reencarnação nos torna em livres agentes para a ação, igualmente para colher os
resultados ou reações dessas ações. De fato, moldamos nossa própria natureza segundo
nossos desejos, tendências e obras.
A teoria da Ressurreição, como é entendida
comumente, não explica porque um homem nasce com uma natureza pecadora e outro
com uma natureza virtuosa. Se contenta em manifestar,
como disse Lutero: “O homem é uma besta de carga que só se move como lhe ordena
seu condutor; às vezes seu condutor é Deus e às vezes Satanás”. Mas ninguém pode dizer por que Deus há de
permitir que Satã seja o condutor de Sua criatura. Em qualquer caso, o homem
deverá sofrer eternamente pelos crimes que Satã o forçou a cometer. Além do
mais, esta teoria pressupõe a predestinação e que a alma individual está
predestinada a ir ao céu ou ao inferno. Santo Agostinho promoveu, pela primeira
vez, esta doutrina da Predestinação e a Graça, para explicar porque um nasce
pecador e outro sem pecado. Segundo esta teoria Deus, o misericordioso,
favorece alguém com Sua graça no templo de seu nascimento e depois este entra
nesse mundo pronto para ser salvo, mas a massa da humanidade nasce pecadora e
destinada à condenação eterna. Na verdade, pouquíssimos recebem o dom da graça
e estão destinados a salvarem-se. Ademais, esta doutrina nos diz que Deus cria
o homem do nada, lhe proíbe algo mas, ao mesmo tempo,
não lhe dá o poder de obedecer aos Seus mandamentos. Em última instância, Deus
lhe castiga com a tortura eterna e conta com sua fragilidade. O corpo e a alma
não se separarão. Não se libertarão de seu corpo porque se isto é assim, teria
fim seu sofrimento, o qual não satisfaz Deus. Todos estes sofrimentos e
castigos estão predestinados antes de seu nascimento. Assim, o dogma de Santo
Agostinho sobre a Predestinação e a graça, em vez de explicar a dificuldade
satisfatoriamente, traz horror e mente às mentes humanas, enquanto que a
doutrina da Reencarnação ensina o progresso gradual, do inferior ao superior,
através das idades, até que o indivíduo chega à perfeição. Sustenta que cada
indivíduo se converterá em perfeito, como Jesus ou Buda; ou como o Pai nos céus
e manifestará divindade nesta vida ou em outra. O lapso de uma só vida é
demasiado breve para desenvolver os próprios poderes até a perfeição. Ao se
tratar de instruir um idiota para se converter em um grande artista ou filósofo
teriam, em algum momento, bom êxito no intento de que isso acontecesse durante
sua vida? Não. E lhe castigarão por que não pode ser assim? O homem que possui
um mínimo sentido comum poderá ser tão irracional? De maneira semelhante, que pensariam se Deus
castiga um homem porque não pode chegar a ser perfeito dentro de uma vida? É um
pobre argumento dizer que Deus nos deu livre arbítrio para escolher entre o bem
e o mal e que somos responsáveis por nossa escolha; se escolhemos
equivocadamente, devemos ser castigadas. Quem preconiza tal argumento esquece
que, ao mesmo tempo, Deus deixou em liberdade seu poderoso Satã para corromper
suas criaturas.
Isso me lembra um velho relato. Havia certo
lugar onde um prisioneiro foi posto em liberdade pela bondade de um tirano.
Este disse ao prisioneiro: “Olhe, homem malvado, lhe dou a liberdade, pode ir a
qualquer lugar; mas há uma condição: se você atacar algum animal selvagem, será
posto na masmorra e sua tortura não terá fim”. E dizendo isto lhe deu a
liberdade, mas ao mesmo tempo ordenou a seus serventes que soltassem um lobo
faminto para que caçasse o homem. Podem imaginar o que aconteceu com o
prisioneiro. A isto podemos chamar de ato de misericórdia?
A doutrina da Reencarnação diz que cada alma
individual é potencialmente perfeita e que gradualmente desenvolve seus poderes
e os torna reais, através do processo da Evolução. A cada passo desse processo
está ganhando diferentes experiências que duram somente um
certo tempo. Portanto, nem Deus, nem Satã são responsáveis por nossas
boas ou más ações. O bem e o mal se parecem aos altos e baixos ou as cristas e
vãos de uma onda do mar. Uma onda pode elevar-se sem fazer um vão em algum
lugar do mar. Portanto, no oceano infinito da realidade se elevam
constantemente inumeráveis ondas. O topo de cada onda se chama bem, enquanto
que o vão junto a elas é o mal ou a miséria, e a corrente de cada vida
individual flui constantemente para o destino último que chamamos perfeição.
Quem poderá dizer quando chegará à essa meta? Se
alguém pode chegar à perfeição nesta vida, não estará mais obrigado a
reencarnar. Se não a alcança, continuará progredindo, tomando algum outro
corpo. A Reencarnação não ensina, como pensam muitas
pessoas, que na próxima encarnação alguém começará desde o princípio, mas diz
que começará do ponto que alcançou antes de morrer e seguirá o fio progresso
interrompido. Não ensina que, depois da morte regressamos a corpos animais, mas
que obteremos nossos corpos segundo nosso desejo, tendências e poderes. Se
alguma pessoa não tem desejo de regressar a este mundo ou qualquer outro, ou
não quer desfrutar de algum objeto particular de prazer, e se está
perfeitamente livre de egoísmo, essa pessoa não terá que regressar. A teoria da
Reencarnação é lógica e satisfatória. Enquanto a teoria da Ressurreição não se
baseia em verdades cientificas, nem pode explicar logicamente a causa da vida e
da morte, a Reencarnação resolve todos os problemas da vida e explica
cientificamente todas as questões e dúvidas que surgem na mente humana.
“A Reencarnação não a entende facilmente o
menino irreflexivo, enganado pela ilusão da riqueza, o nome ou a fama. Tudo
termina com a morte, pensa, e dessa maneira cai uma e outra vez sob o domínio
da morte”.
Capítulo V
A TEORIA DA TRANSMIGRAÇÃO
A teoria da transmigração é uma das teorias
mais antigas aceitas pelo povo do Oriente, para resolver os problemas
concernentes à vida e a morte, como que para explicar a continuidade da
existência depois da morte. Esta teoria pressupõe a existência da alma como uma
entidade que pode viver inclusa quando o grosseiro corpo material está morto ou
dissolvido em seus elementos. Quem nega a existência da alma, do pensador ou
ator auto-consciente, como uma entidade distinta do
grosseiro corpo material, nega necessariamente esta teoria da transmigração. Os
pensadores materialistas de todas as épocas recusaram aceitar esta teoria,
porque não admitem a existência de uma alma ou e um pensador e ator auto-consciente como uma entidade, separada do grosseiro
corpo material. Conseqüentemente não perguntam, nem discutem se a alma existirá
depois da morte ou não, se continuará vivendo ou não. Tais materialistas não
são as criaturas do século XX, mas viveram em outras épocas, em todos os
países. Na Índia e em outros países civilizados dos tempos antigos, encontrarão
pensadores materialistas que prevaleceram e deram os mesmos argumentos que
agora ouvimos dos agnósticos e cientistas de hoje em dia. Seus argumentos são
geralmente unilaterais e insatisfatórios. Tratam de deduzir a alma, ou entidade auto-consciente, da combinação da matéria ou das
forças materiais, mas não conseguiram dar uma prova científica disso. Nenhum
argumento em favor da existência de uma alma como uma entidade lhes convencerá,
porque negam a existência de tudo o que não possam ser percebido pelos sentidos
sensoriais. Se pudéssemos fazer descer a alma ao plano sensório e torná-la
visível para estes pensadores materialistas e se eles pudessem fazer
experimentos com ela, então talvez se convenceriam,
até certo ponto, mas não até então. Mas como podemos fazer descer a alma ao
plano sensório, quando é etérea e mais sutil que tudo o que podemos perceber
com nossos sentidos?
Quem explica a causa de nossa vida terrena
mediante a teoria da herança, não crê na verdade da transmigração. Os
cientistas, agnósticos e materialistas modernos aceitam, geralmente, a teoria
da herança e se esforçam em explicar tudo com ela; mas se examinarmos seus
argumentos em prol da teoria da herança, descobriremos que a teoria da transmigração é muito mais satisfatória, muito mais racional
que a da herança.
Entre os seguidores das grandes religiões do
mundo, a maioria dos cristãos, judeus, maometanos e parsis negam a verdade da
transmigração. Supostamente, houve um tempo em que os cristãos acreditaram
nessa teoria da transmigração. Orígenes e outros Pais da Igreja a aceitaram até
a época de Justiniano, que anatematizou a todos os que acreditavam na
Reencarnação ou na pré-existência da alma. Entre os judeus vimos, em Cábala, que esta idéia da transmigração tem um papel
importantíssimo. De fato, os cabalistas aceitavam esta teoria para explicar
todas as dificuldades que não puderam explicar mediante qualquer outra. Mas
aqueles judeus, cristãos, maometanos e parsis que não acreditam na teoria da
transmigração, aceitam a teoria do nascimento único; isto, é,
que Deus cria as almas no tempo de seu nascimento, partindo do nada e estas
almas, tendo ingressado na existência partindo do nada, continuam vivendo
eternamente; que este é nosso primeiro e último nascimento que recebemos; não
existimos antes, somos criados subitamente por Deus e depois da morte cada um
de nós continuará vivendo no céu ou inferno, para gozar ou sofrer por toda a
eternidade. Entre os espiritualistas modernos vimos que, aqueles que nasceram e
foram educados com esta idéia de um só nascimento, não aceitam a teoria da
transmigração e que encontraram alívio e consolo em suas vidas, como uma
solução satisfatória dos problemas da vida e da morte.
A teoria da Transmigração ou Metempsicose,
como a chamaram muitos filósofos, significava,
originalmente, o passo de uma alma de um corpo a outro, depois da morte; ou, em
outras palavras, significava que a alma, ao habitar um corpo em particular
durante um certo tempo, o abandona na hora da morte e, a fim de ganhar
experiência, entra em algum outro corpo, seja humano, animal ou angelical, que
está pronto para recebê-la. Pode migrar do corpo
humano a um corpo angelical, ou logo descer ao plano humano, ou ao plano animal
e nascer novamente como animal. De maneira que o significado original da
transmigração ou metempsicose foi a revolução da alma
de um corpo a outro, seja humano, angelical ou de outros deuses. A substância
migrante, que é uma quantidade fixa, com qualidades fixas, escolhe sua forma de
acordo com seu gosto, desejo e inclinação de caráter. Esta idéia prevaleceu entre
os antigos egípcios, segundo os quais a alma, depois de abandonar o corpo
morto, viajaria de um corpo a outro durante milhares e milhares de anos, a fim
de ganhar experiências em cada uma das diferentes etapas da vida.
Entre os filósofos gregos vimos que
Pitágoras, Platão e seus seguidores acreditavam na teoria da Metempsicose ou
Transmigração das almas. Pitágoras disse: “Depois da morte, a mente racional,
tendo-se libertado das cadeias do corpo, assume um veículo etéreo e penetra na
região dos mortos, onde permanece até que seja enviada de volta a este mundo
para que habite algum outro corpo humano ou animal. Logo que experimentar
sucessivas purificações, quando estiver suficientemente purificada, é recebida
entre os deuses e devolvida à fonte eterna da que primeiro procedeu”. Platão também acreditava nesta teoria. Não
podemos dizer com exatidão de onde Pitágoras e Platão
receberam estas idéias. Alguns dizem que aprenderam estas doutrinas do
Egito; outros crêem que, direta ou indiretamente, aprenderam esta teoria da
transmigração da Índia. Platão descreve em Fedro, em linguagem mitológica,
porque e como as almas assumem seu nascimento neste plano, como humanos ou
animais. Disse: “No céu, Zeus, o Pai e Senhor de todas as criaturas, conduz seu
carro alado, ordenando a todas as coisas e supervisionando-as. Uma hoste de
deidades e espíritos lhe segue, cumprindo cada um sua própria função. Quem
quiser pode segui-los. Depois de dar esta volta, avançam por um empinado curso
ao longo da circunferência interior da abóbada celeste e procedem ao banquete.
As carruagens dos deuses, bem equilibradas e bem conduzidas, avançam com
facilidade; outras
com dificuldade; pois o cavalo vicioso, a menos que o cocheiro o force
cabalmente, volta o carro para baixo por sua inclinação para a terra, depois disso
a alma experimenta o extremo trabalho e o esforço. As almas dos deuses chegam
em cima, saem e ficam sobre a superfície dos céus e desfrutam da
bem-aventurança celestial. Tal é a vida dos deuses; outras almas, que melhor seguem
a Deus e são mais gratas a Ele, conseguem captar a visão da verdade e ingressar
no mundo exterior com grande dificuldade. O resto das almas que desejam o mundo
superior, seguem todas; mas, ao não ser bastante fortes, são transportadas em
círculos muito para baixo, precipitando-se, pisoteando-se entre si, pugnando
por ser as primeiras e ali, na confusão e no esforço extremo, muitas delas
ficam lesadas e com suas asas rotas. De maneira que, quando a alma é incapaz de
seguir e não alcança contemplar a visão da Verdade, mergulha sob a dupla carga
do esquecimento e o vício, suas asas caem e cai na terra e nasce uma e outra
vez como seres humanos ou animais”. Platão disse: “Devem passar dez mil anos
antes que a alma possa regressar ao lugar de onde proveio, pois as asas não
podem crescer em menos tempo”. “Ao término dos primeiros mil anos, as almas dos
bons e dos maus se juntam para encontrar sorte e escolhem seus corpos segundo
suas tendências e inclinações de seus caracteres. Podem tomar qualquer um que
gostem”. Em vez de receber as conseqüências naturais de seus atos e feitos de
suas vidas anteriores, lhes é permitido escolher sua própria sorte, segundo
suas experiências e inclinações de caráter. “Algumas, desgostosas com a
humanidade, preferem nascer como animais. Outras se deleitam em tentar fortuna
como seres humanos”. Desta descrição mitológica, observamos o que Platão queria
dizer com transmigração.
Esta idéia platônica da transmigração ou de
vidas sucessivas de quem habita esta terra, tem sido criticada por vários
pensadores dos tempos modernos; e referindo-se a esta idéia, o extinto doutor
Myers, da Sociedade de Investigações Psíquicas de Londres, escreve em seu
segundo tomo de Human Personality:
“O simples fato de que tal fosse provavelmente a opinião de Platão e Virgílio, demonstra que aqui não há nada alheio a menor
razão ou aos mais altos instintos do homem. Tampouco, na verdade, é fácil
compreender teoria alguma sobre a criação
direta dos espíritos em tão diferentes etapas de avanço, como os que entram
na terra sob a aparência de um homem mortal. Alguém sente que deve ter algum
gênero de continuidade: alguma forma de passado espiritual”. (Pág. 134). Por
que Ele não cria todas as almas iguais? Por que uma alma será altamente
avançada no espiritual, enquanto outra é inteiramente ignorante ou idiota? Esta
pergunta não pode ser resolvida mediante a especial teoria da criação e,
portanto, o doutor Myers disse que não há dúvida que houve alguma continuidade
anterior ao passado espiritual de cada alma individual e, portanto, admite
tacitamente a teoria da transmigração. Embora deste ponto de vista científico
não possa dar nenhuma prova direta a respeito desta idéia de uma preexistência
da alma, sem dúvida não posso negá-la inteiramente quando digo: “As forças
formativas que fizeram nossos corpos e nossas mentes, sejam o que são, podem
ter sido sempre forças físicas: desde a primeira mota vivente de limo, até as
complexas inteligências de hoje em dia”. “O velho critério dos transmigracionistas possuiria, assim, uma parte da verdade
e o homem real seria o resultante, não só de heranças que se mesclaram pelo
lado do pai e da mãe, mas também de heranças que se mesclaram,
uma pelo lado planetário e outra pelo âmbito cósmico”. (Human Personality, Vol. II, pág. 267).
Porém esta teoria da Transmigração, como
descrita por Platão, é um pouco diferente de uma teoria similar que existiu na
Índia antes do seu tempo. Na idéia platônica da transmigração, como já vimos,
as almas escolhem sua própria sorte segundo sua experiência ou inclinação do
caráter, mas não recebem a conseqüência natural de seus atos e feitos. Platão
não disse nada sobre a lei que governa as almas; mas na antiga Índia, os
grandes pensadores e filósofos explicaram que cada alma individual está
obrigada, pela inexorável lei da natureza, a receber seu corpo como uma
conseqüência natural de seus anteriores atos e feitos e a não ter livre escolha
de sua sorte, segundo sua inclinação de caráter. Os grandes pensadores e
filósofos da antiga Índia descobriram a lei universal de causa e efeito, de
ação e reação e a chamaram com o termo sânscrito “Karma”, que significa a lei
de causa e seqüência; que cada causa deve ser seguida por um efeito de natureza
semelhante, que cada ação deve produzir uma reação semelhante e o inverso, cada
reação ou efeito é o resultado de uma ação ou causa de um caráter similar.
Assim, sempre há um equilíbrio e uma harmonia entre a causa e o efeito, entre a
ação e a reação. Esta lei de karma se converteu, agora, em uma verdade
fundamental da ciência moderna. É chamada de diferentes nomes; os cientistas a
chamam de lei da causalidade, a lei de compensação, a lei de retribuição, mas
todas se referem à mesma idéia: que cada causa deve produzir um resultado
semelhante e cada ação deve produzir uma reação semelhante.
Agora, estes antigos pensadores da Índia aplicavam esta lei de Karma
para explicar o destino das almas humanas e foi sobre esta lei que basearam a
teoria da Transmigração. Sustentavam que as almas humanas estão atadas a esta
lei irresistível e não podem livrar-se dela; seus pensamentos e ações são as
causas que produzem resultados de natureza semelhante. De modo que seu
nascimento futuro não depende de sua escolha caprichosa e livre, mas que está
limitado pelos pensamentos, ações e feitos de suas vidas anteriores. Na idéia
platônica vimos que as almas vão segundo sua escolha. Podem não tomar uma forma
humana, se preferirem uma forma animal, mas na idéia hindu da transmigração
descobrimos que isso não é o resultado de livre escolha, mas que se nosso pensamentos e atos nos forçam a tomar uma forma
particular, então estamos sujeitos a lei do Karma, que governa nosso nascimento
futuro a evolução de nossas almas. Por conseqüência, a teoria hindu da
transmigração difere fundamentalmente da platônica, igual à idéia egípcia da
Transmigração. Nas teorias platônica e egípcia vimos que as almas, depois de
abandonar o corpo, entra em novo corpo que aguarda para receber a alma que
migra mas, na teoria hindu da Transmigração, o corpo
não aguarda para receber a alma que migra, mas que, pelo contrário, a alma, ao
estar sujeita às leis da evolução, manufatura o grosseiro corpo material
segundo seus desejos e tendências. Assim como um gérmen de vida desenvolverá
uma forma mais grosseira mediante subdivisão celular, mediante crescimento e
mediante assimilação das condições ambientais, de igual modo o gérmen da alma
humana manufaturará o corpo mediante obediência às leis que governam o plano
físico. Os pais não são senão canais através do quais as almas que migram
recebem suas formas materiais. Os pais não criam as almas; não têm poder para
criar. Só podem dar os ambientes apropriados, necessários para o manufaturamento de um grosseiro corpo humano. As almas
chegam com suas tendências, com seus desejos e permanecem como germens de vida.
Agora, estes germens de vida contêm forças
vitais, faculdades sensoriais, faculdades psíquicas e partículas etéreas de
matéria. No momento da morte, a alma de contrai e recolhe todos seus poderes
dos órgãos sensórios até seu centro mais interior e nesse estado contraído,
abandona seu corpo. Mas estes poderes não abandonam a alma. Pela lei da
persistência da força e conservação da energia, permanecem latentes nesse
centro até que as condições ambientais se tornem favoráveis para sua
re-manifestação. O renascimento significa a manifestação dos poderes latentes
que existem no gérmen de vida, ou alma individual. Estes germens de vida
recebem diferentes nomes. Leibnitz os chamava mônadas e os cientistas modernos os chamam de bioplasmas ou
um nome similar, mas a filosofia vedântica os descreve como corpos sutis. Estes
germens ou corpos sutis estão sujeitos à evolução e ao crescimento; surgem das
etapas inferiores às superiores de desenvolvimento, do reino mineral através do
vegetal, até o animal e, eventualmente, se convertem em seres humanos e logo
seguem progredindo.
Na teoria platônica a idéia de progresso,
crescimento ou evolução gradual da alma, desde as etapas inferiores até as
superiores da existência, está inteiramente excluída porque, como já disse, a
substância migrante é uma quantidade fixa com qualidades fixas, isto é, estas
qualidades não mudam e não são afetadas pelo crescimento, nem pela evolução.
São quantidades constantes. A fim de diferenciar estas duas idéias, deveríamos
chamar a teoria hindu ou vedântica de “Reencarnação”. A teoria hindu ou
vedântica da Reencarnação, sem dúvida, não é a mesma que a teoria budista do
Renascimento, pois os budistas não crêem na permanência da entidade alma. Há
outro ponto no qual a teoria da Reencarnação difere da transmigração platônica.
Segundo esta teoria da Reencarnação, há crescimento e evolução de cada alma
individual das etapas inferiores até as etapas superiores de desenvolvimento. A
alma, ou gérmen da vida, assim que passa através das etapas inferiores, chega
ao plano humano e ganha experiência e conhecimento; e assim que chega ao plano
humano, não retrocede aos corpos animais. A teoria platônica ensina que as
almas humanas migram dentro de corpos animais ou corpos angelicais e regressam
do angelical ao humano ou animal e que algumas preferem converter-se em
animais; enquanto
que a teoria da Reencarnação, apoiando-se na verdade cientifica da evolução
gradual, ensina que as almas humanas já passaram através de diferentes graus do
reino animal, ou melhor dito, do reino vegetal, mediante o processo natural da
evolução. Após ter recebido uma vez o organismo humano, por que uma alma
haveria de escolher regressar ao organismo inferior e mais imperfeito de um
animal? Como é possível para uma manifestação menor ocupar uma maior? Por que
uma manifestação maior haveria de escolher formas mais limitadas, em
preferência a de outras? Esta questão se suscita na teoria platônica da
Transmigração. Portanto, a teoria da reencarnação, ou a teoria da Transmigração,
segundo os hindus, rechaça esta idéia do retrocesso das almas humanas a formas
animais. No processo evolutivo já atravessamos o grau inferior dos organismos
animais. Agora que os superamos em crescimento, por que deveríamos retroceder a
eles?
Certamente, é certo que na Índia há muitas
pessoas sem educação, entre os hindus, que crêem que as almas humanas migram
dentro de corpos animais, depois da morte, para ganhar experiência e colher os
resultados de suas perversas ações, estando atados pela lei do Karma; mas na
teoria platônica, a lei de Karma não interpreta papel algum na transmigração
das almas. Certamente as mentes educadas e reflexivas da Índia aceitam a teoria
mais racional e científica da reencarnação. Embora haja passagens das escrituras
hindus que aparentemente se referem à regressão da alma humana dentro da
natureza animal, contudo, tais passagens não significam necessariamente que as
almas sejam obrigadas a tomar corpos animais. Podem viver como animais, embora
tenham corpos humanos, como podemos encontrar, entre nós, muitas pessoas que parecem gatos, cachorros e víboras com formas humanas e que,
no entanto, são mais viciosos que os gatos, cachorros ou víboras naturais,
estão colhendo seu próprio Karma e manifestando sua natureza animal, embora
fisicamente pareçam seres humanos. Este gênero de regressão é possível para
quem, depois de alcançar o plano humano, vá para trás por causa dos pensamentos
e ações perversos nos plano animal. Tal regressão temporária aporta
conhecimento e lhe ajuda em seu progresso para diante, depois das manifestações
de poderes superiores no pano superior da consciência. Todos os pensamentos
perversos e todas as ações perversas não são senão os resultados de nossos
próprios erros. Que é o pecado? O pecado é senão um erro e procede da
ignorância. Por exemplo, se eu não sei que o fogo queima, posso pôr meu dedo
nele e queimar-me. O resultado desse erro é que queimei meu dedo e isto me
ensinou, de uma vez por todas, que o fogo queima; nunca mais colocarei meu dedo
no fogo. De modo que cada erro é um grande mestre. Ninguém nasce tão grande e
perfeito como para não cometer nenhum erro ou pecado. Cada erro como este abre
nossos olhos para a lei do universo, apontando-nos resultados que não
desejamos. Como uma só vida não é o bastante para adquirir experiência em todas
as etapas da evolução, devemos admitir a doutrina da Reencarnação da alma para
a realização da finalidade última da vida terrena; o professor Huxley disse:
“Ninguém, salvo os pensadores apressados, a desprezaram sobre a base de um
absurdo inerente. Como a doutrina da evolução mesma, a da transmigração tem
suas raízes no mundo da realidade”.
CONTRA-CAPA
Em uma obra de respostas transcendentes, o Swami
Abhedananda refere-se aos aspectos mais salientes da evolução e
ressurreição e aclara as idéias sobre o renascimento, a verdade, a lógica e a
justiça, que consciente ou inconscientemente, penetraram nas melhores
expressões do pensamento ocidental. Sem dúvida, a preservação esta Doutrina
deve-se ao reservatório literário da Índia, fonte racial e geográfica de uma
grande porção de conhecimento vital dos povos do Ocidente. Neste livro
mostra-se a reencarnação como reveladora insubstituível dos mistérios da vida. Abhedananda encara, através destas páginas, as perguntas que formularam
até as crianças e que transtornaram as mentes mais sábias em seu afã de
conciliar a lei da evolução e da existência de um Criador inteligente e justo,
com a proposição de que o homem tem mais de uma vida, nas quais pode
desenvolver a autoconsciência espiritual. Com singular maestria, o Swami aborda o seguinte: de
onde viemos? Aonde iremos após a morte física? Continuaremos existindo após a
morte ou pereceremos por toda a eternidade? Existimos antes desse nascimento?
... Um vidente da Verdade contesta, sem circunlóquios, sobre o enigma de todos
os tempos.
leitura recomendada